Por Cleber Lourenço
O X (antigo Twitter) se transformou em um ambiente onde redes organizadas de exploração sexual infantil operam praticamente sem resistência, com uma dinâmica cada vez mais sofisticada e previsível. Dados coletados pelo analista de redes Pedro Barciela mostram que, entre setembro de 2024 e outubro de 2025, mais de 165 mil menções ligadas a esse tipo de conteúdo circularam na plataforma.
A movimentação revela uma estrutura permanente de disseminação, que mistura automação, revezamento de contas e uso tático de hashtags populares para driblar o sistema de moderação. O resultado é um fluxo constante de publicações criminosas que circulam por meses antes de qualquer resposta significativa da empresa.
O levantamento detalhado analisou 154 publicações em específico e apenas três hashtags principais, o que significa que o número real de postagens pode ser muito maior. Cada uma dessas tags atua como núcleo de disseminação, com dezenas de variações gráficas e ortográficas criadas para confundir os filtros automáticos. A combinação de palavras e símbolos forma um vocabulário próprio, com códigos numéricos e substituição de letras — uma estratégia para burlar os mecanismos de busca da própria rede.
O pico de atividade ocorre à meia-noite, com 78% das postagens concentradas nesse horário, período de menor monitoramento humano. Mais de 40 pares de coocorrência foram identificados, revelando o funcionamento de uma espécie de “senha coletiva”, uma linguagem de reconhecimento entre usuários do esquema. Em 13 meses, o padrão se repete em três fases distintas: explosão inicial, estabilização e reorganização após bloqueios, o que demonstra planejamento e coordenação.
O fato de a análise ter se limitado a apenas três tags reforça a gravidade do cenário: se uma amostra tão pequena é capaz de gerar mais de 165 mil menções, o volume real de conteúdo ilegal presente no X pode alcançar centenas de milhares de postagens. A ausência de uma política pública de transparência sobre remoções e denúncias impede dimensionar com precisão o tamanho do problema. Especialistas alertam que, sem auditoria independente, não há como saber o quanto a rede ainda abriga de material de exploração infantil.
O estudo também mostra que boa parte dessas publicações é impulsionada por contas recém-criadas, que desaparecem após alguns dias e retornam sob novos nomes. O ciclo é permanente e quase impossível de conter sem um sistema de detecção baseado em padrões de coocorrência — ferramenta que o X não implementa. A empresa limita-se a banir termos isolados, ignorando o contexto e a repetição de combinações suspeitas. Essa omissão alimenta um ciclo de autopreservação da rede, em que grupos criminosos aprendem com cada exclusão e se adaptam para retornar mais fortes.
Outro aspecto que torna o combate ineficaz é o uso massivo de encurtadores de links e redirecionamentos internacionais, que mascaram o destino final do conteúdo. Muitos dos endereços levam a servidores hospedados fora do país, dificultando o rastreamento pelas autoridades. Essa engrenagem cria um ecossistema paralelo — uma teia de sites, perfis e bots — que se alimenta das brechas deixadas pela falta de vigilância da empresa.
Elon Musk aderiu a uma campanha contra a Netflix, que acusa o serviço de streaming de promover uma “agenda woke transgênero”
X permite atuação de redes de exploração sexual
Em meio a essa realidade, a postura de Elon Musk agrava ainda mais o contraste entre discurso e prática. Enquanto o conteúdo ilegal se espalha livremente em sua plataforma, o bilionário dedica sua influência a batalhas ideológicas. Recentemente, Musk aderiu a uma campanha contra a Netflix, impulsionada por grupos ultraconservadores, acusando o serviço de streaming de promover uma “agenda woke transgênero”. Em uma publicação no próprio X, pediu aos seguidores que cancelassem suas assinaturas “pela saúde dos seus filhos”.
O contraste é evidente. Musk se apresenta como defensor dos valores familiares e da proteção infantil, mas administra uma plataforma que permite a atuação de redes de exploração sexual com pouca ou nenhuma transparência. Desde que assumiu o controle, o X reduziu o número de moderadores humanos e enfraqueceu equipes de segurança infantil, segundo ex-funcionários, o que deixou brechas para a proliferação de conteúdo ilegal.
O discurso moralista e as campanhas ideológicas de Musk funcionam como cortina de fumaça para o problema real. Enquanto o bilionário mobiliza seus seguidores em guerras culturais, o X segue sem auditoria externa, sem relatórios públicos sobre remoções e sem mecanismos eficazes de detecção. A plataforma, que já foi referência em comunicação digital, hoje é apontada por órgãos de segurança como uma das menos colaborativas do mundo no combate a crimes de abuso infantil.
Essa contradição resume o impasse: Musk defende valores morais em público, mas sua empresa abriga um ecossistema de desinformação, extremismo e exploração sexual. Sob o pretexto da “liberdade de expressão”, o X se tornou um ambiente permissivo, onde redes criminosas prosperam em meio à omissão de sua própria direção.