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Walter Benjamin e o nosso tempo

por Luiz Antonio Simas
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Em um artigo sobre o Surrealismo, lançado em 1929, Walter Benjamin escreveu o seguinte: “Pessimismo em toda a linha. Sim, na verdade, e totalmente. Desconfiança quanto ao destino da literatura, desconfiança quanto ao destino da liberdade, desconfiança quanto ao destino do homem, mas sobretudo desconfiança tripla diante de qualquer acomodação: entre as classes, entre os povos, entre os indivíduos. E confiança ilimitada apenas na I. G. Farben e no aperfeiçoamento pacífico da Luftwaffe”

Registre-se, nesse trecho escrito antes da chegada de Hitler ao poder e marcado pelo pessimismo ativo (que não tem nada de conformismo em Benjamin – o pessimismo para ele era a maneira de escapar da ilusão do compromisso social que, ancorado em nome do progresso e da técnica, naturalizava a espoliação infame dos subalternizados), a ironia certeira sobre a Luftwaffe – a força aérea alemã que faria o diabo na Segunda Guerra Mundial – e a I.G. Farben, que futuramente fabricaria o gás Ziklon B e daria ares industriais ao genocídio nazista.

Daí vem as Teses sobre o conceito da História, a proposta de Benjamin para uma ruptura com a “empatia pelo vencedor” e a necessidade de se escovar a História a contrapelo, a partir da ativa adesão, inclusive do ponto de vista da produção do conhecimento, e empatia por aqueles que sucumbem, esmagados e com os corpos em frangalhos, ao avanço triunfal das ideias de civilização e progresso (nunca houve um monumento da cultura que não fosse um documento da barbárie, tá lá na Tese VII).

Quando li Benjamin a primeira vez, percebi a impactante confluência entre seus fragmentos e alguns pontos de caboclo e boiadeiro que cresci escutando nas umbandas e encantarias em que me eduquei: a pedrinha miudinha é que nos alumeia.

De tudo isso, depreende-se (agora em que estamos mergulhados, no mundo todo, em tempos muito similares aos que deram origem ao trecho que citei do caboclo alemão sobre aquele final da década de 1920) que, fragmentariamente, o olhar que Benjamin lança sobre a História é de vigorosa empatia pela turma esmagada por perspectivas, ainda incrivelmente presente nas nossas escolas e manuais, que privilegiam uma leitura do processo histórico como um acúmulo de grandes feitos políticos e militares de viés eurocêntrico.

Assim como a cultura não é isenta de barbárie, o processo de transmissão da cultura também não é; diz Benjamin na tese VII novamente. No nosso caso, a circunstância que nos fez brasileiros, habitantes dos confins do sul, lambuzados de indígenas áfricas e dos seus tambores, agrava ainda mais essa patologia.

Para quem acompanha meu trabalho, então, reafirmo aquilo que escrevi na abertura de um livro que escrevi inspirado em Seu Pedra Preta e no alemão pessimista:

“Me interessam foliões anônimos, bêbados líricos, jogadores de futebol de várzea, clubes pequenos, putas velhas, caminhoneiros, retirantes, devotos, iaôs, ogãs, ajuremados, feirantes, motoristas, capoeiras, jongueiros, pretos velhos, violeiros, cordelistas, mestres de marujada, moças do Cordão Encarnado, meninos descalços, goleiros frangueiros e romances de subúrbio, embalados ao som de uma velha marcha-rancho, triste de marré deci, que ninguém mais canta(..) O resto são as coisas e pessoas poderosas – inimigas dos rios e das ruas – e suas irrelevâncias.”

É isso.

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