Casa EconomiaVoto distrital e reforma mais ampla ajudam a conter ação de facções na política

Voto distrital e reforma mais ampla ajudam a conter ação de facções na política

por Luis Costa Pinto
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Esquecido nos escaninhos da Câmara dos Deputados, o Projeto de Lei 9.212, de autoria do ex-senador José Serra foi aprovado em 2017 no Senado. Agora, pode se converter numa das mais vigorosas reações do Congresso Nacional ao domínio das facções criminosas no teatro da política em todas as unidades da federação brasileira.

O projeto institui o voto distrital misto nas eleições proporcionais do país e aguarda votação na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara desde março de 2021, quando recebeu parecer favorável do então deputado Samuel Moreira (atual prefeito de Registro, SP).

A nova regra seria válida para deputados federais, estaduais e distritais – caso do DF – e também vereadores dos municípios com mais de 200 mil eleitores, passando a vigorar a partir de 2030. Nas cidades menores, para a eleição de vereadores, seguiria valendo a regra atual: voto proporcional.

Facções já estão na política

A intenção de José Serra, constituinte em 1987/88, era fazer o PL 9.212 restaurar um pouco da pegada original da Constituição de 1988; filo-parlamentarista. A ideia do presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), que já designou o deputado Domingos Neto (PSD-CE) relator da matéria, é oferecer uma proposta forte e originária do Parlamento para conter o crescente domínio do crime organizado, das facções do PCC, do Comando Vermelho, da Família do Norte etc., no jogo político em todos os estados brasileiros e no Distrital Federal.

Com maior ou menor peso e relevância, criminosos faccionados controlam a política em regiões determinadas de todo o país. É assim no Ceará de Domingos Neto, onde a cidade de Santa Quitéria teve anulada a eleição de 2024 por conta de interferência do Comando Vermelho no resultado das urnas e se organizou novo pleito em 26 de outubro passado sob vigilância do Exército e da ABIN. Ou na Paraíba de Motta, onde a mulher do prefeito reeleito da capital João Pessoa, Cícero Lucena, pediu a faccionados do mesmo Comando Vermelho para obstruir ações de campanha dos adversários na periferia.

Também é assim no Rio de Janeiro, onde são exemplares os casos de Chiquinho Brazão, preso e cassado por tramar e encomendar o assassinato da vereadora Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes, e do deputado estadual TH Jóias, fornecedor de drones para o Comando Vermelho e de armas para outras facções e para milícias do estado. Cúmplice de Brazão, o irmão de Brazão, que era conselheiro do Tribunal de Contas estadual, também está preso.

No Acre, a banda (podre) da política toca o mesmo samba desafinado há mais de 25 anos, quando  se descobriu que o então deputado federal Hildebrando Pascoal (PMDB) havia esquartejado vivo um ex-comparsa e gravado a execução. Em outubro de 1999 o facínora foi cassado. Porém, a associação do crime com a política cresce a cada eleição naquelas franjas do Brasil. No mesmo 1999, o então governador estadual, Orleir Cameli, foi investigado pela “CPI do Narcotráfico”. Filho de Orleir, o atual governador acreano, Gladson Cameli, é investigado por associação com organização criminosa que desvia recursos de emendas parlamentares, frauda licitações e lava dinheiro do narcotráfico.

Orçamento secreto e impositivo ajuda o crime

Podem ser puxados exemplos de todas as 27 unidades federadas da União sem que uma sequer se salve: todas têm a política contaminada pelo crime. O advento das emendas orçamentárias impositivas (2015/2016) e, depois, do Orçamento Secreto (do qual Domingos Neto foi o primeiro relator, em 2016) e das “emendas pix” (2020), levou a ação parlamentar começar a ser usada fortemente para lavagem de dinheiro do crime e branqueamento de capitais do narcotráfico. Tudo passou a se misturar na grande lavanderia de forja de prestação de contas para os Tribunais de Contas da União e dos estados.

Sabendo disso, e dominando toda a cadeia produtiva e profícua de corrupção, as facções criminosas se aventuraram a disputar o poder de controle dos diretórios municipais e estaduais das siglas partidárias. Começarão a determinar quem seria candidato, quem não seria, e a elaborar as listas de financiamento de campanhas com recursos dos fundos eleitorais ou recursos paralelos. Recurso paralelo é o popular caixa dois que sai dos sumidouros do dinheiro público das falsas prestações de contas. Todo mundo que está no jogo da política em Brasília sabe que “a vida como ela é” está sendo assim agora.

Herdeiros de linhagens familiares conservadoras em seus respectivos estados, Domingos Neto e Hugo Motta estão cientes que a máquina de produzir escândalos à medida em que a ação legislativa se aproxima do crime organizado vai lhes roubar o protagonismo em seus próprios currais. Bingo!

A Operação Contenção, no Rio, deflagrada na última 3ª feira, 28 de outubro, quando a Polícia Militar fluminense massacrou mais de 120 pessoas sem lhes dar conhecimento do porquê da persecução penal, impondo a pena de morte a fórceps em território carioca, veio a calhar para essa “Operação Contenção Parlamentar” que está sendo urdida como um dos contragolpes ao crime organizado. Em meio ao momento torpe que o país vive, retomar a discussão do voto distrital pode ser a abertura de um portal para mudanças mais agudas e profundas no sistema político.

Hora de rever financiamento público e eli dos partidos

O Partido dos Trabalhadores, um dos motores do lobby legislativo vitorioso que pôs fim ao financiamento privado de campanhas e de partidos políticos depois das eleições de 2014, passou a discutir internamente um retorno ao modelo original. A instituição do financiamento público exclusivo de partidos e campanhas se deu como forma de reagir à perseguição da ala lavajatista do Poder Judiciário, do Ministério público e da imprensa tradicional.

Em razão do clima que se instaurou no Brasil com a sanha persecutória à atividade política e a criminalização generalizada dos políticos, proibiu-se o financiamento privado que havia sido legalizado e formalizado em 1994 como reação preventiva do trade político aos males-feitos por Paulo César Farias na campanha de 1989 e na criação da República de Alagoas durante o breve governo de Fernando Collor (1990-92).

O financiamento público “exclusivo” é uma quimera: graças a caixa dois produzido por desvios de emendas parlamentares – em larga medida, mas não apenas por esse meio – há hoje tesourarias paralelas operando em diversas siglas partidárias. Os dínamos que faz encher o caixa ora são as emendas parlamentares, ora são os compromissos assumidos para que parlamentares legislem em função de projetos determinados. Determinados, sempre, por interesses empresariais muitas vezes ilegítimos e obscuros.

No Supremo Tribunal Federal e no Tribunal Superior Eleitoral, Cortes superiores que fecharam com a tese da extinção do financiamento privado da política há uma década, há clima favorável a rediscutir o tema e retroagir ao modelo do passado desde que sejam ampliadas as possibilidades de rastreamento dos financiamentos e reforçado o papel das instituições de Estado na fiscalização das campanhas.

Não se poderá mexer no sistema de votação e no modelo de financiamento sem reformar drasticamente a Lei dos Partidos Políticos (Lei 9.096/1995). É fundamental fechar todas as janelas pelas quais são enfraquecidos ano a ano a cláusula de barreira, essencial para depuração da cena política. Crucial, também a criação de mecanismos que imponham métodos de funcionamento democrático das legendas partidárias, evitando a conversão delas em empresas familiares. Por fim, é basilar a restauração do princípio da fidelidade partidária e a vinculação de mandatos a compromissos públicos dos programas partidários.

O presidente das Câmara, Hugo Motta, anunciou a pretensão de votar a instituição do voto distrital misto até o fim do ano. O relatório que a Câmara recebeu do Senado em 2017 que tem por base o projeto de José Serra é muito bom e se não for desfigurado pelo relator Domingos Neto pode (e deve) ser aprovado do jeito que está, sem precisar retornar para apreciação dos senadores. Mas, a reforma política necessária não pode parar nesse Projeto de Lei 9212. Tem de ir muito além, tem de trazer de volta a fidelidade dos parlamentares aos partidos, a democracia partidária interna, a força institucional na regulação da política e o financiamento privado. Ou se faz isso já, ou as facções terão controle total da cena política em Brasília em mais duas ou três eleições nacionais.

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