Por André Naves*
Em um país com mais de 18,6 milhões de pessoas com deficiência, segundo os dados mais recentes do IBGE, uma pergunta é convenientemente ignorada nos corredores corporativos e nos espaços de poder: onde estão nossos CEOs, diretores e gerentes que refletem essa parcela tão expressiva da população?
A resposta, desconfortável e urgente, revela uma das facetas mais perversas da desigualdade: o capacitismo estrutural, que ergue uma muralha sólida e quase intransponível ante os talentos com deficiência.
A Lei de Cotas (Lei nº 8.213/91) foi, sem dúvida, um marco civilizatório. Uma evolução democrática digna de celebrações. Graças a ela, muitas portas de entrada no mercado de trabalho se abriram. No entanto, mais de três décadas depois, é preciso avançar e questionar: abrir a porta é o suficiente? Quais estruturas empresariais permitem a evolução? Será que existem?
A inclusão não pode se resumir a um número na planilha para cumprir a legislação. Ela precisa ser um projeto de pertencimento, desenvolvimento e, sobretudo, de ascensão.
A realidade, no entanto, é outra. Muitas empresas se contentam em preencher vagas operacionais e de base, tratando a cota como uma obrigação, e não como uma oportunidade de enriquecer seu capital humano. Cria-se uma espécie de “fossilização de carreira”, onde profissionais com deficiência são contratados, subocupados, mas raramente vistos como material para a liderança, sob os fajutos argumentos da falta de capacitação ou baixa produtividade.
Esse tipo de preconceito tem nome: capacitismo. É o preconceito berrante, e por vezes inconsciente, que associa a deficiência à incapacidade, à menor produtividade ou à necessidade de tutela. É a mentalidade que enxerga um colega com deficiência ora como um “coitado”, ora como um “herói da superação”, mas raramente como um par, um competidor ou um futuro líder.
O capacitismo se manifesta em piadas, na infantilização do tratamento e na presunção de que a pessoa não dará conta de desafios mais complexos. É uma barreira atitudinal que custa caro.
E o custo não é apenas moral. É econômico, financeiro e estratégico. Uma pesquisa da consultoria McKinsey (“Diversity Wins: How Inclusion Matters”, 2020) já demonstrou exaustivamente que equipes de liderança diversas são mais inovadoras, resilientes e lucrativas. Ao excluir pessoas com deficiência dos cargos de comando, as empresas abdicam de perspectivas únicas, de experiências de vida forjadas na resiliência e na criatividade para solucionar problemas. Desperdiçam talentos capazes de pensar diferente, justamente por terem navegado por um mundo que não foi desenhado para eles.
Aniquilar essa postura excludente exige muito mais do que somente boas intenções. Exige ação deliberada e decisão política!
Ir além da rampa: acessibilidade não é só física. É garantir sistemas digitais acessíveis, softwares inclusivos, horários flexíveis e, principalmente, um ambiente psicologicamente seguro, onde o erro é permitido e a vulnerabilidade é vista como força.
Liderança que escuta: a transformação começa pelo topo. Líderes precisam ser treinados para identificar e combater vieses inconscientes, promovendo uma cultura de escuta genuína e abrindo mão do controle para construir com o outro. O verdadeiro líder não é o que tem todas as respostas, mas o que faz as perguntas certas e valoriza cada voz.
Desenvolvimento intencional: é fundamental criar programas de mentoria e aceleração de carreira focados em profissionais com deficiência. Mapear talentos, investir em sua formação e, acima de tudo, dar-lhes projetos desafiadores e visibilidade. A promoção precisa ser uma via real, não uma miragem.
A beleza está em enxergar. Enxergar o potencial onde a sociedade insiste em ver apenas a limitação. A inclusão de pessoas com deficiência em cargos de liderança não é um favor, mas uma necessidade estratégica para a construção de um Brasil mais justo, criativo e próspero.
Manter a “Caminhada da Esperança” em progresso é lutar por um futuro onde o talento não tenha barreiras e a Liderança seja um reflexo da postura de toda a nossa humanidade. É esperançar!
A pergunta que fica para cada gestor e para a sociedade é: estamos prontos para, finalmente, promover quem sempre esteve apto?
*André Naves é defensor público federal formado em Direito pela USP, especialista em Direitos Humanos e Inclusão Social; mestre em Economia Política pela PUC/SP; cientista político pela Hillsdale College e doutor em Economia pela Princeton University. Comendador cultural, escritor e professor (Instagram: @andrenaves.def)