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Por Lucas Wilker – Brasil de Fato
Vereadores de direita de Belo Horizonte foram ao Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB-BH), na tarde desta quarta-feira (8), para exigir a reclassificação ou fechamento da exposição Fullgás – artes visuais e anos 1980 no Brasil. O episódio provocou tensão entre parlamentares, servidores da instituição e visitantes, e acabou com a presença da Polícia Militar, Polícia Civil e da Guarda Civil no prédio, localizado na Praça da Liberdade, na região centro-sul da capital mineira.
Os vereadores Flávia Borja (Progressistas) e Irlan Melo (Republicanos) afirmam ter recebido “reclamações de pais” sobre o conteúdo das obras e alegam que a mostra, atualmente classificada como livre para todos os públicos, deveria ter restrição etária por conter nudez artística.
Diante do episódio, a vereadora Juhlia Santos (Psol) esteve no CCBB-BH para acompanhar a situação e contestou os parlamentares. Em entrevista concedida no local, ela afirmou que a movimentação dos parlamentares é “uma tentativa explícita de cercear o direito de acesso à arte e à cultura”.
“Toda exposição que o CCBB abriga passa por um processo minucioso de curadoria e validação junto ao Ministério da Justiça. Não cabe ao olhar ou ao desejo de um vereador decidir o que as pessoas de Belo Horizonte vão acessar como cultura e, principalmente, o que é cultura e o que não é”, declarou.
Santos criticou também a justificativa usada pelos parlamentares, de “preservação da infância”.
“O que eles têm medo, de fato, é desse constrangimento popular e social que os coloca cara a cara com a população”, lembrou. “Se eles acreditam que há irregularidade, que busquem os trâmites legais. O que não podem é tentar fechar uma exposição aprovada dentro da lei”, disse.
Em reunião entre os parlamentares e a direção do CCBB-BH, após o ocorrido, foi definido que a exposição permanecerá aberta. A instituição, conforme relatou Juhlia Santos à reportagem, apresentou os documentos que garantiam a sua abertura. Os parlamentares foram instruídos, portanto, a procurar o Ministério da Justiça, órgão responsável, sobretudo, por definir as classificações etárias.
Exposição que está acontecendo em BH é muito elogiada pela sua fidelidade com os anos 80 (Foto: Riotur / Divulgação)
“Parece uma máquina do tempo”
Entre os visitantes que presenciaram o tumulto estava a professora Graziela Mello Vianna, do departamento Comunicação Social da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), que lecionava uma aula no local.
“Quando cheguei, os policiais já estavam aqui. Tinha carro da Polícia Militar, da Polícia Civil e da Guarda Municipal. Quando eu subi, logo depois, subiram os dois vereadores com a polícia, e ficaram um pouco cercando as obras. Eles não chegaram a me impedir de ver obra nenhuma porque não estava fechado”, relatou.
A professora destacou o caráter simbólico da mostra, que revisita a cultura e a arte dos anos 1980, marcados pela abertura política após a ditadura militar e por debates sobre liberdade de expressão, erotismo e epidemia de HIV.
“Eles falam do erotismo das obras, mas são obras feitas naquele tempo, na década de 80. A maioria das obras são de 85, época das ‘diretas já’. Eles reclamaram de pinturas e uma parte da exposição que fala sobre a epidemia de HIV. São questões importantíssimas. E, para mim, isso parece uma máquina no tempo. A exposição denuncia censura e a ideia dos vereadores de direita era limitar o acesso”, criticou a professora.
Uma mostra sobre liberdade, memória e cultura pop
Aberta ao público desde 27 de agosto, Fullgás reúne cerca de 300 obras de mais de 200 artistas brasileiros que marcaram os anos 1980, entre eles Adriana Varejão, Beatriz Milhazes, Leonilson, Luiz Zerbini e Leda Catunda. A curadoria é de Raphael Fonseca, Amanda Tavares e Tálisson Melo.
A exposição está dividida em cinco núcleos temáticos inspirados em músicas da década, abordando desde a redemocratização e os movimentos sociais até a explosão estética e tecnológica do período. Também há seções voltadas à crise ambiental e à memória da epidemia de HIV, temas pouco tratados na arte brasileira da época.
O site do CCBB-BH informa que a mostra é classificada como livre, “conforme as diretrizes do Ministério da Justiça e Segurança Pública”, e que as obras que contêm nudez são apresentadas no contexto da nudez artística.
Defesa dos vereadores
O Brasil de Fato MG procurou os vereadores Flávia Borja (Progressistas) e Irlan Melo (Republicanos) e aguarda respostas. A reportagem será atualizada quando houver posicionamento.