Por Paulo Eduardo Dias
(Folhapress) – O consumo e a venda de drogas na região conhecida como Cracolândia, no centro de São Paulo, continuam firmes, pulverizados e com expansão para bairros ao redor. O roteiro ocorre seis meses após dezenas de dependentes químicos sumirem da rua dos Protestantes, em Santa Ifigênia, para um paradeiro sem resposta oficial.
De dia é comum ver usuários perambulando com cachimbos nas mãos. À noite, as chamas da queima do crack deixam claro que ainda há resistência a buscar Cracolândias na periferia, mesmo com abordagens a todo momento por parte da Polícia Militar e da Guarda Civil Metropolitana para impedir tentativas de reagrupamento.
A gestão Tarcísio de Freitas (Republicanos) trata como o fim do fluxo, como é chamada a aglomeração de usuários. A prefeitura, comandada por Ricardo Nunes (MDB), adota um tom mais moderado, classificando o fenômeno como esvaziamento.
Ambas publicaram notas em suas páginas oficiais em decorrência de seis meses sem uma grande concentração no centro de São Paulo. Em entrevista ao jornal Estado de S. Paulo, o vice-governador Felício Ramuth (PSD) afirmou que “a Cracolândia acabou e não voltará”. Questionada sobre a fala, a gestão Nunes não se posicionou.
Na noite de segunda-feira (10) e durante toda a terça-feira (11), cerca de 30 pessoas estavam sentadas e em pé na calçada rente ao muro do Memorial da América Latina, na avenida Pacaembu, na Barra Funda, zona oeste. A aglomeração está próxima de um terminal de ônibus e de estações de trem e do metrô.
Ali havia um pequeno comércio de droga. Também era possível comprar cachimbo para o uso de crack, exposto sobre uma caixa. Outros produtos também eram comercializados, como bebidas e brinquedos, formando uma rotina já conhecida.
A reportagem acompanhou uma tarde ali e notou um rodízio de usuários. Uns chegam e ficam. Outros passam e deixam o local rapidamente.
Meses antes, um grupo com o tamanho e característica semelhantes estava na avenida Pacaembu, na altura do elevado Presidente João Goulart, o Minhocão. Moradores se queixaram e a PM e a GCM passaram a realizar ações junto com equipes de limpeza. Os usuários deixaram o local.
A chegada da Cracolândia ao Memorial da América Latina, um complexo de cultura idealizado pelo antropólogo Darcy Ribeiro e projetado pelo arquiteto Oscar Niemeyer, não foi percebida apenas pela reportagem.Os responsáveis pela instituição disseram ter acionado a Secretaria da Segurança Pública.
“O Memorial analisa a situação com seriedade e compromisso público, mantendo diálogo constante com os órgãos competentes e reforçando sua responsabilidade na preservação do espaço, na segurança dos visitantes e na promoção do bem-estar coletivo em seu entorno”, afirma a assessoria de imprensa.
Deslocamento da cracolândia
O Memorial está a cerca de 3 km da rua dos Protestantes, último endereço de uma Cracolândia inchada, com cerca de 400 pessoas em determinados horários, conforme monitoramento municipal. O local foi se esvaziando aos poucos neste ano, até que em maio houve a debandada, com o sumiço repentino de quem ainda teimava em viver ali cercado por agentes e viaturas da GCM.
Desde então, ocorre a pulverização de usuários atrás de pequenos vendedores de crack pela região. Aglomerações maiores chegaram a ser notadas na praça Marechal Deodoro, na avenida General Olímpio da Silveira e na rua Helvétia, todas dispersadas pela PM e pela GCM.
Além da lateral do Memorial da América Latina, a reportagem notou outros três pontos com mais de dez pessoas consumindo crack juntas e sem a presença de equipes da polícia ou de assistência social. Na rua Professor Laerte Ramos de Carvalho, na altura da rua João Passalaqua, na Bela Vista, no início do Minhocão, na altura da rua Amara Gurgel, e na alameda Barão de Piracicaba.
Em duplas, trios ou quartetos, dependentes químicos também consumiam crack rua dos Gusmões, na alameda Barão de Limeira, na rua Vitória, na avenida Rio Branco e no entorno da Funarte (Fundação Nacional de Artes), entre a alameda Nothmann e as ruas Apa e General Júlio Marcondes Salgado.
Em nota, a Prefeitura de São Paulo disse que tem um trabalho contínuo de oferta de tratamento e acolhimento pelas equipes de saúde e assistência social a pessoas em situação de rua e vulnerabilidade, além das ações de zeladoria e segurança, combatendo o tráfico de drogas e outros crimes. “A atuação em parceria com o Governo do Estado já resultou na queda de 63% do número de roubos na região central de maio a setembro deste ano em comparação ao mesmo período de 2022”.
A gestão Ricardo Nunes acrescentou que equipes de assistência social percorrem diariamente pontos de ocupação momentânea ou periódica para busca ativa dessa população. “Entre janeiro e setembro de 2025, foram registrados pelas equipes 13.327 encaminhamentos para serviços e equipamentos municipais e estaduais, um aumento de 28% em relação ao mesmo período de 2024.”
A reportagem procurou a assessoria de comunicação da gestão Tarcísio, mas não houve resposta. Em seus site, a SSP (Secretaria da Segurança Pública) publicou nota em que disse “que o trabalho integrado realizado na região contribuiu diretamente para pôr fim à concentração de usuários de drogas entre as ruas dos Protestantes com a General Couto de Magalhães”.