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USP anula aprovação de professora negra após recurso de candidatos brancos

por Laura Kotscho
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A Universidade de São Paulo (USP) anulou o resultado do concurso para docente de Literaturas Africanas de Língua Portuguesa, no qual a professora Érica Bispo, doutora em Literatura, havia sido aprovada em primeiro lugar. A decisão ocorreu após um recurso judicial apresentado por seis candidatos brancos, que alegaram suspeita de parcialidade e questionaram a idoneidade da banca avaliadora.

Única mulher negra inscrita, Érica afirma ter sido alvo de ataques racistas e desproporcionais. Os concorrentes alegaram suposto favorecimento e “amizade íntima” entre a candidata e membros da banca — argumento sustentado por fotografias públicas de eventos acadêmicos em que todos estavam presentes, o que, segundo a professora, não caracteriza qualquer vínculo pessoal.

“Eu fui a única candidata preta a me candidatar a fazer esse concurso, e seis candidatos brancos entraram com recurso, alegando, dentre outras coisas, que eu não tinha capacidade para me tornar professora da USP. Eles alegaram que eu tinha um certo favorecimento. Tem um caráter discriminatório. Eu passei por mérito, em primeiro lugar”, afirmou Érica nas redes sociais

De acordo com o UOL, os candidatos criaram um grupo no WhatsApp para organizar a contestação. Um dos participantes, professor que também fez o concurso, contou que se recusou a assinar o recurso e acabou expulso do grupo. Ele relatou que os colegas “caçavam minúcias” para tentar deslegitimar a aprovação de Érica, vasculhando suas redes sociais em busca de qualquer detalhe que pudesse sustentar a contestação.

O caso também foi levado pelo grupo de candidatos ao Ministério Público de São Paulo. Após apuração, o órgão decidiu arquivar o procedimento, entendendo que não houve ato de improbidade administrativa nem favorecimento por parte dos agentes públicos envolvidos.

Mesmo assim, a Procuradoria da USP e o Conselho Universitário decidiram anular o concurso no dia 26 de março deste ano. O resultado havia sido confirmado anteriormente pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH), que rejeitou os recursos internos e manteve a aprovação da professora.

A defesa de Érica afirma que houve cerceamento de defesa, pois manifestações técnicas protocoladas por seus advogados não teriam sido incluídas no processo no momento do julgamento. Segundo ela, o Conselho deliberou sem considerar documentos e argumentos apresentados dentro do prazo legal.

No dia 30 de setembro, a USP abriu um novo concurso para a mesma vaga.

“O que torna a situação ainda mais grave é que, enquanto a legalidade de seus atos é questionada na Justiça, a USP publicou o edital para a mesma vaga conquistada pela professora Érica Bispo”, disse o advogado Raphael de Andrade Naves.

Érica agora move uma ação judicial contra a universidade. Os advogados Naves e Carlos Barbosa Ribeiro entraram com um pedido de urgência para que o caso seja analisado mais rapidamente, mas foi negado pela Justiça até o momento. Diante da abertura de um novo concurso, eles defendem que há “urgência em uma apreciação judicial” para evitar mais prejuízos à professora.

O caso repercutiu nas redes sociais e entre pesquisadores, que apontam racismo e desigualdade no meio acadêmico. Para muitos, o episódio mostra como candidatas negras ainda enfrentam barreiras mesmo após comprovarem excelência e aprovação formal.

Érica estuda entrar com uma nova ação e denunciar o caso ao Ministério Público, para tentar reverter a decisão da USP.

O que diz a USP

A Procuradoria Acadêmica da USP acatou parcialmente uma das reivindicações dos candidatos. Em parecer ao qual a reportagem teve acesso, o órgão afastou as alegações de discrepância de notas, mudanças na aplicação das provas e suposto desempenho inferior de Érica. Foram consideradas apenas a suposta relação entre a professora e as avaliadoras. Segundo o parecer, fotos veiculadas indicariam “convivência íntima” em encontros, viagens, praias e bares, ainda que em contexto acadêmico.

Inicialmente, a universidade avaliou retirar apenas os votos das professoras sob investigação. Caso o resultado permanecesse o mesmo, o concurso não seria anulado. Porém, a Procuradoria concluiu que as professoras poderiam ter influenciado outros avaliadores nas discussões sobre as notas e que a “mera presença delas nas reuniões e deliberações do concurso ofende a moralidade administrativa”. Por isso, a decisão final foi anular todo o processo seletivo.

Sendo uma decisão do Conselho Universitário, FFLCH diz que não tem como reverter, mas afirmou que “O concurso foi reaberto, as inscrições estão em andamento, e a direção da FFLCH espera que a Érica se inscreva”.

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