Se falou, é porque falou; e se não falou, é porque deixou de falar. A cobrança vem do mesmo jeito, igual taxa de banco. O tribunal das redes é implacável. Confesso: cada vez ligo menos para os ataques pessoais, mas os comentários estúpidos ainda me indignam.
O assunto da semana foi a não menção de uma mulher como candidata à vaga aberta no Supremo com a saída de Barroso. E veja bem: não se trata de capricho ou “questão de gênero”, como alguns repetem em tom de desdém. O que está em jogo é algo maior: a forma como o Brasil escolhe enxergar a si mesmo.
A carta das juízas enviada a Lula escancarou o óbvio: nós somos maioria da população e, ainda assim, permanecemos minoria absoluta no STF. Em 130 anos, apenas três mulheres foram indicadas. Três. É uma fratura na democracia representativa, e escolher não admitir isso é, no mínimo, má-fé.
Quando se nega a possibilidade de mulheres ocuparem espaços de poder, o que se reforça é a ideia de que só um recorte — o masculino — é legítimo. É como se o olhar das mulheres sobre o mundo não tivesse o mesmo peso, a mesma legitimidade, a mesma capacidade de construir o futuro.
Houve quem dissesse que o que eu e outras mulheres defendemos é uma questão de gênero e que isso não deveria ser relevante para a indicação de um nome.
Não, minha gente. Não é sobre “guerra de sexos”. É sobre justiça. É sobre democracia. É sobre o país que queremos entregar às próximas gerações. Uma sociedade em que mulheres seguem barradas dos espaços de poder é uma sociedade manca, capenga, que insiste em caminhar com um só lado do corpo.
Alguns países europeus, especialmente os nórdicos, se destacam pela alta representatividade feminina na magistratura, embora a paridade exata varie e seja um processo contínuo.
Não é razoável que, em 2025, a paridade ainda precise ser pedida. Não é razoável que mulheres precisem escrever cartas para lembrar que existimos, que somos competentes e que temos o direito de decidir os rumos da nação. Enquanto isso, seguimos assistindo a homens ocuparem os mesmos lugares, repetindo entre si os mesmos olhares e perpetuando as mesmas desigualdades.
Outro dia, aqui no Brasil, estávamos comemorando a conquista da igualdade de salários e premiações no esporte entre homens e mulheres. Não é um contrassenso que uma discussão dessas ainda seja necessária?
Lula pode até não indicar uma mulher desta vez. Mas o debate não volta mais para a gaveta. Porque não é sobre uma vaga apenas. É sobre uma visão de país: justo, plural e capaz de enxergar além do gênero como critério oculto de exclusão.
Enquanto mulheres não estiverem sentadas em número justo nas cadeiras do Supremo, a Justiça brasileira seguirá incompleta. E isso não é detalhe. É um sintoma grave de que nossa democracia ainda não se leva tão a sério quanto gosta de afirmar.