Por Pedro Abramovay*
A Constituição de 1988 é um pacto da sociedade brasileira após duas décadas de ditadura. Seu objetivo – expresso – é construir uma sociedade livre, justa e solidária; garantir o desenvolvimento nacional; erradicar a pobreza e reduzir desigualdades; e promover o bem de todos, sem discriminação.
Esse pacto se sustenta em dois pilares: a democracia e a República.
A democracia: eleições diretas, participação popular e instituições que resistem a ataques. A condenação de Jair Bolsonaro e militares por tentativa de golpe mostra que a Constituição tem anticorpos contra rupturas democráticas.
A condenação de Jair Bolsonaro e militares por tentativa de golpe mostra que a Constituição tem anticorpos contra rupturas democráticas
Mas e a República? Ela vai além do sistema de governo. É o princípio que garante igualdade perante a lei, combate o compadrio e a privatização do Estado por interesses dos poderosos. Pensadores como Sérgio Buarque, Faoro e Florestan Fernandes revelaram um Brasil com donos, onde o Estado serve à elite.
Na República, todos devem ser tratados como cidadãos, tanto no acesso a direitos como na aplicação da lei. Mas o Brasil viveu séculos sem a mediação dos direitos. Os poderosos estão acima da lei e acumulam privilégios. Já os pobres enfrentam um Estado violento, que oferece favores em vez de direitos.
A Constituição de 1988 fortaleceu o projeto republicano: concursos públicos, Ministério Público independente, princípios como impessoalidade e moralidade. Políticas públicas como SUS, FUNDEF e SUAS passaram a ser direitos, não favores.
A democracia fortaleceu a República. A pressão popular levou à criação da CGU, à queda da imunidade parlamentar, à legislação anticorrupção, ao CNJ, à Lei de Acesso à Informação e ao fortalecimento da Polícia Federal. O Bolsa Família, os direitos das trabalhadoras domésticas e o reajuste do salário mínimo são exemplos de políticas republicanas, que organizam as políticas públicas como direitos.
O ciclo virtuoso do Brasil ocorreu quando democracia e República se alimentaram mutuamente.
Hoje, a extrema direita, aliada ao Centrão, tenta sufocar ambos. A democracia foi atacada com o golpe frustrado e segue ameaçada pela tentativa de anistia aos golpistas. A República sofre com a proposta de restaurar a imunidade parlamentar, extinta em 2001, permitindo que deputados escapem da justiça por acordos internos.
A sociedade de 2025 é fruto do pacto de 1988. Mas esse pacto está sob ataque. E, no último fim de semana, vimos as ruas sendo ocupadas em todo Brasil em nome da defesa dos objetivos da Constituição. Foi bonito ver que a defesa da aliança fértil entre República e Democracia segue mobilizando o povo.
A PEC da bandidagem e a anistia são zumbis que ameaçam o melhor projeto de país que já tivemos. Só a pressão da sociedade pode impedir que destruam nossa república e nossa democracia.
*Pedro Abramovay é vice-presidente de Programas da Open Society Foundations, mestre em Direito Constitucional pela UnB, doutor em ciência política pelo IESP-Uerj e co-autor, com Gabriela Lotta, do livro Democracia Equilibrista – políticos e burocratas no Brasil.