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Enquanto Congresso enrola para votar o projeto que amplia a isenção de IR (Imposto de Renda) para quem ganha até R$ 5 mil, levantamento inédito do Sindifisco Nacional, sindicato dos auditores fiscais da Receita Federal, revela uma distorção crescente na cobrança de IR no Brasil: os super-ricos, com ganhos mensais superiores a 320 salários mínimos (cerca de R$ 486 mil), pagam proporcionalmente menos da metade do imposto recolhido pela classe média. Os dados foram publicados em reportagem da BBC News Brasil.
Com base em dados da Receita Federal, o estudo mostra que, em 2023, a alíquota efetiva média paga pelos super-ricos foi de 4,34%, enquanto brasileiros com ganhos mensais entre 5 e 30 salários mínimos (R$ 7.590 a R$ 45.540) pagaram, em média, 9,85% — mais do que o dobro.
Essa diferença, segundo o Sindifisco, vem se ampliando desde 2009, como reflexo de dois fatores principais:
- Congelamento da tabela do IR, que empurra contribuintes de renda média para faixas de tributação mais altas, mesmo sem ganho real de poder de compra.
- Isenção de dividendos, lucros distribuídos por empresas a seus acionistas, que não são tributados no Brasil desde 1996 e compõem parcela significativa da renda dos super-ricos.
A tendência é inversa à desejada por sistemas tributários progressivos, nos quais quem ganha mais paga proporcionalmente mais. Em 2007, por exemplo, os mais ricos tinham alíquota efetiva média de 6,9%, e a classe média, de 6,3% — uma relação mais equilibrada que foi se perdendo ao longo do tempo.
Proposta do governo cria imposto mínimo a super-ricos
Para tentar corrigir essas distorções, o governo Lula apresentou uma proposta de reforma do Imposto de Renda, que deve ser votada na Câmara dos Deputados em 1º de outubro.
A proposta tem dois pilares principais:
- Ampliação da faixa de isenção para rendas mensais de até R$ 5 mil, com alívio também para rendas até R$ 7.350.
- Criação de um imposto mínimo de até 10% sobre contribuintes com renda anual superior a R$ 1,2 milhão.
Hoje, por conta de brechas e isenções como a dos dividendos, muitos brasileiros de altíssima renda pagam menos de 5% de IR. A nova regra obrigaria esse grupo a pagar pelo menos 10%, recolhendo a diferença no ajuste anual caso tenham contribuído com menos.
Segundo o Sindifisco, se a reforma for aprovada como está, pessoas com renda entre R$ 1,2 milhão e R$ 5 milhões por ano — que hoje pagam alíquotas médias entre 4% e 6% — passarão a pagar 10%. A medida não afetará os contribuintes que já pagam mais de 10%.
Já para os trabalhadores de menor renda, o impacto será inverso: a alíquota efetiva média de quem ganha até cinco salários mínimos, atualmente em 2,66%, deverá cair substancialmente, revertendo a alta acumulada desde 2007.
Distorção agravada por congelamento da tabela
O presidente do Sindifisco Nacional, Dão Real, disse à BBC News Brasil que a crescente desigualdade na tributação decorre principalmente da combinação entre crescimento das rendas isentas dos ricos — especialmente dividendos — e o congelamento da tabela do IR, que penaliza a classe média e baixa.
Desde 2015, a tabela está congelada, com a alíquota máxima de 27,5% incidindo sobre salários a partir de R$ 4.664,68 — valor que não acompanha a inflação nem os reajustes salariais anuais. Isso faz com que trabalhadores com poder de compra praticamente estável subam de faixa de imposto e paguem mais.
Entre 2007 e 2023, segundo o estudo, a renda com lucros e dividendos cresceu 43%, enquanto a renda total subiu 31%. Como dividendos não são tributados, os mais ricos vêm contribuindo com uma fatia cada vez menor de sua renda para o IR.
Sindifisco propõe ajuste mais profundo
Apesar de considerar a reforma proposta pelo governo como um avanço, o Sindifisco Nacional avalia que as mudanças são parciais. O sindicato defende uma alíquota mínima ainda maior — de até 15% — sobre os mais ricos, e a correção da tabela do IR com base na inflação passada, para aliviar a carga sobre a classe média.
No entanto, a equipe econômica já encontra forte resistência política à proposta de 10%, o que torna improvável um aumento adicional da alíquota mínima neste momento.
“Com a proposta atual, o sistema não será totalmente progressivo, mas pelo menos haverá um freio na regressividade atual”, avalia o presidente do Sinfisco.