Casa EconomiaSob Motta, Câmara restringe transparência ao liberar textos de projetos horas antes das votações

Sob Motta, Câmara restringe transparência ao liberar textos de projetos horas antes das votações

por Gabriel Anjos
0 comentários
sob-motta,-camara-restringe-transparencia-ao-liberar-textos-de-projetos-horas-antes-das-votacoes

Por Cleber Lourenço

A Câmara dos Deputados tem repetido uma prática que virou rotina sob a presidência de Hugo Motta (Republicanos-PB): a divulgação de textos e relatórios de projetos de lei, medidas provisórias e propostas de emenda constitucional às vésperas das votações, muitas vezes com mudanças significativas e sem tempo hábil para análise técnica. O método, herdado de Arthur Lira (PP-AL), compromete o papel deliberativo da Casa e vem sendo criticado por parlamentares, técnicos e servidores.

Nos bastidores, a explicação oficial é a busca por eficiência e agilidade. Mas deputados e assessores afirmam que, na prática, trata-se de uma estratégia para concentrar poder nas mãos da Mesa Diretora, reduzir a interferência das comissões temáticas e evitar reações políticas e sociais antes das votações. A liberação de textos em cima da hora virou um instrumento de controle da agenda e de blindagem de acordos políticos.

O problema, segundo técnicos legislativos, é que essa dinâmica prejudica o exame de constitucionalidade e de impacto financeiro, sobretudo em propostas de grande complexidade. A liberação tardia também afeta o trabalho de consultorias e assessorias técnicas, que ficam sem tempo para revisar as alterações ou identificar inconsistências nos dispositivos.

Entre os casos mais recentes estão a MP 1303, que trata da compensação do IOF; o PL da Anistia (2162/2023); a PEC das Prerrogativas; o projeto de isenção do Imposto de Renda até R$ 5 mil e o PL 2628/2022, que regula a proteção de crianças e adolescentes em ambientes digitais. Em todos, os textos finais foram disponibilizados poucas horas antes das discussões em plenário, o que inviabilizou um debate qualificado.

No caso da MP 1303, o texto só foi fechado na véspera do último dia de validade da medida, quando a Câmara precisou correr para deliberar antes que ela perdesse eficácia. O parecer trouxe alterações sensíveis em temas como a tributação de fundos e a taxação de apostas, o que gerou desconforto até entre aliados. Já o PL da Anistia teve seu texto publicado horas antes da votação do requerimento de urgência, pegando de surpresa até membros da base governista. Na PEC das Prerrogativas, a redação foi modificada durante a madrugada, com mudanças negociadas diretamente entre Motta e líderes do Centrão.

A crítica é compartilhada dentro e fora do Parlamento. Ao ICL Notícias, o deputado Henrique Vieira (PSOL-RJ) avaliou que a prática prejudica o exercício da função legislativa:

“Quando os projetos são liberados apenas perto da votação, se compromete bastante a atividade parlamentar, porque não temos tempo de estudar os projetos, a assessoria técnica fica prejudicada e nossa capacidade de julgar e de votar também. Portanto, é um empecilho à atividade parlamentar a pauta ser publicada tão perto do momento da votação.”

Henrique Vieira (PSOL-RJ)

Servidores da Câmara afirmam que a tática é usada inclusive para evitar mobilizações contrárias a pautas sensíveis. Com o texto disponível por pouco tempo, grupos da sociedade civil, organizações e até parlamentares não conseguem reagir ou propor emendas. O resultado, segundo um assessor ouvido pela reportagem, é “um Parlamento que aprova sem ler e decide sem debater”.

O regime de urgência previsto no Regimento Interno, que deveria ser exceção, virou regra. Ele permite suprimir prazos e levar projetos diretamente ao plenário, sem análise aprofundada nas comissões. Essa sistemática, segundo analistas de governança legislativa, distorce o processo democrático, enfraquece o controle público e amplia o poder da presidência sobre o conteúdo e o ritmo das deliberações.

A gestão de Motta repete e aprofunda o modelo de comando de Arthur Lira: controlar o tempo é controlar o processo. Ao divulgar textos no limite do prazo, a Câmara garante que apenas um grupo restrito participe das decisões, mantendo o restante do Parlamento no escuro. Essa prática tem transformado o debate legislativo em mera formalidade, minando o papel representativo da Casa e comprometendo a transparência do processo legislativo.

você pode gostar