A Justiça do Rio determinou que o Estado indenize adolescentes que foram expostos ilegalmente e acabaram alvo de agressões praticadas por grupos de “justiceiros” na Zona Sul, no fim de 2023. A condenação, no valor de R$ 500 mil em danos morais coletivos, além de compensações individuais, foi emitida pela juíza Lysia Maria da Rocha Mesquita, da 1ª Vara da Infância e da Juventude Protetiva.
De acordo com a magistrada, policiais divulgarem de forma irregular fotos, fichas e dados pessoais de menores de idade contribuiu para que jovens fossem perseguidos e agredidos na região. O material, que circulou rapidamente em redes sociais e grupos de moradores, teria servido como combustível para ações violentas organizadas por homens que se autodenominavam “justiceiros”.
O episódio, que ganhou destaque no verão de 2023, envolveu grupos que passaram a circular pela orla de Copacabana, Ipanema e Leme armados com barras de ferro, socos-ingleses e bastões. Eles se reuniam por aplicativos de mensagens, filmavam agressões e divulgavam os vídeos na internet.
Vazamento de dados e ambiente de violência
Na decisão, a juíza afirma que houve grave violação de direitos fundamentais assegurados pela Constituição, pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e pela Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD). As imagens e documentos, alguns com marca d’água do 19º BPM, foram compartilhados sem controle, criando, segundo ela, um “ambiente de ódio e perseguição”.
O Ministério Público, autor da ação, sustentou que o objetivo dos vazamentos era estimular linchamentos por grupos paramilitares que passaram a “caçar” adolescentes sob suspeita de pequenos furtos. As agressões deixaram jovens feridos e ampliaram o clima de tensão na orla carioca.
A sentença também afirma que o Estado reforçou um cenário de exclusão ao permitir práticas que dividiram a cidade entre “quem pode e quem não pode estar nas praias”, favorecendo a atuação de grupos de extermínio.
Medidas impostas e relação com a Operação Verão
Além da indenização de R$500 mil, o governo foi proibido de divulgar qualquer dado que identifique adolescentes suspeitos de atos infracionais, incluindo registros de “recolhimento compulsório” feitos durante a Operação Verão. A administração estadual terá 20 dias para apresentar um programa de capacitação policial sobre direitos humanos e abordagem de menores, com atenção ao recorte racial. O descumprimento pode gerar multa diária de R$ 5 mil por jovem afetado. O valor dos danos coletivos será direcionado ao fundo previsto no artigo 214 do ECA.
A decisão ocorre no contexto da Operação Verão 2023/2024, que enfrentou diversas denúncias de abordagens ilegais e detenções arbitrárias de adolescentes pobres e negros a caminho das praias da Zona Sul. Em meio ao impasse jurídico, a proibição de apreensões sem flagrante chegou a ser derrubada pelo Tribunal de Justiça, mas foi restabelecida em fevereiro de 2024 pelo ministro Cristiano Zanin, do STF, que ordenou a criação de um protocolo de abordagem.
Os “justiceiros” seguiram atuando principalmente em Copacabana, Leme e Arpoador, onde organizavam rondas e ataques premeditados contra jovens. Vídeos das agressões circularam amplamente nas redes sociais.
Em nota, a Secretaria de Estado de Polícia Militar informou que ainda não foi comunicada oficialmente da decisão judicial e que abrirá procedimento interno assim que for notificada. A corporação reiterou que não tolera desvios de conduta e que policiais envolvidos em crimes são responsabilizados quando os fatos são comprovados.