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Por Cleber Lourenço
O presidente da Comissão de Assuntos Econômicos (CAE), Renan Calheiros (MDB-AL), elevou o tom contra o Banco Central nesta terça-feira (4) e anunciou a convocação do presidente da autarquia, Gabriel Galípolo, para depor em audiência pública. Segundo Renan, o convite anterior “não adiantou”.
A ofensiva concentra-se em dois pontos: o uso das contas-ônibus por fintechs — apontadas como brechas para lavagem de dinheiro — e o acordo de leniência firmado pelo BC com o ex-presidente Roberto Campos Neto.
Renan classificou as contas-ônibus como “excrescências” e ironizou o que chamou de “sonolência lisérgica” do Banco Central, que só teria reagido “após denúncia”. Ele se refere às normas que entram em vigor em dezembro, elaboradas para fechar a janela operacional das contas de passagem abertas por fintechs em bancos, nas quais recursos de múltiplos clientes são concentrados sob um único titular — a própria fintech —, o que dificulta a identificação de origens e beneficiários.
O senador citou o PCC como um dos grupos que se aproveitaram desse mecanismo para ocultar movimentações financeiras.
O segundo foco da convocação é o acordo de leniência que encerrou um processo administrativo envolvendo operações cambiais supervisionadas por Campos Neto quando ele era executivo do Santander.
Na avaliação do presidente da CAE, o acerto foi “anômalo e malcheiroso” e caracterizaria uma “ação entre amigos”, sobretudo pelo pagamento da contribuição em pessoa física e pela falta de transparência na divulgação dos termos. Renan afirmou que quer conhecer detalhes jurídicos do acordo, questionando por que o Banco Central não aplicou punições mais severas previstas em lei.
O que muda com a convocação por Renan
A presença de Galípolo na CAE deixa de ser mero protocolo e se transforma em teste político para o Banco Central e para o governo. A audiência tende a ser combativa, com cobrança de cronogramas e parâmetros técnicos das novas regras para fintechs e justificativas formais sobre a leniência com Campos Neto.
A depender das respostas, o episódio pode reabrir o debate sobre transparência do BC autônomo e mecanismos de controle pelo Senado.
Por que as contas-ônibus viraram alvo
As contas-ônibus, também conhecidas como contas-bolsão, são arranjos em que uma fintech mantém uma conta única em banco tradicional e nela transita o dinheiro de vários clientes. Sem a identificação individual dos titulares finais em tempo real, o rastreamento fica opaco e facilita fraudes e lavagem de dinheiro.
O Banco Central publicou novas exigências para que bancos encerrem contas irregulares e comuniquem os clientes, além de endurecer controles e o compartilhamento de dados com órgãos de inteligência financeira. Renan sustenta que as medidas foram tomadas tardiamente e sob pressão da CAE, e quer que o BC detalhe o alcance, os prazos e as métricas de eficácia das novas normas.
Pontos sensíveis da leniência
As críticas de senadores se concentram em cinco pontos principais:
- Proporcionalidade: questiona-se a diferença entre a gravidade das operações investigadas e o valor do acordo, considerado baixo diante do montante movimentado.
- Transparência: o acordo não foi publicizado no momento da assinatura, gerando suspeitas sobre falta de publicidade e controle externo.
- Forma de pagamento: o valor foi quitado por Campos Neto em pessoa física, o que, para os parlamentares, fere o princípio da impessoalidade em decisões de natureza institucional.
- Precedente institucional: o fato de o sucessor firmar um acordo que beneficia o antecessor é visto como risco de conflito de interesses dentro do próprio BC.
- Fundamentação legal: senadores cobram a divulgação dos pareceres técnicos e da justificativa de que a leniência seria a melhor solução à luz do interesse público.
- A audiência deve exigir do Banco Central explicações detalhadas sobre esses pontos, além de informações sobre critérios de decisão, base jurídica e alternativas consideradas antes da celebração do acordo.
A convocação amplia o custo político para Galípolo e força o Banco Central a detalhar decisões que, até aqui, estavam restritas ao jargão técnico. Para o governo, a audiência é uma vitrine de controle da base parlamentar sobre uma autarquia autônoma; para o mercado, um teste de previsibilidade regulatório. A convocação tem como principal objetivo apertar o cerco com novas obrigações de transparência.