Relator do projeto que amplia a faixa de isenção do IR (Imposto de Renda) para quem ganha até R$ 5 mil, o senador Renan Calheiros (MDB-AL) sinalizou que deve propor ao menos seis mudanças no texto aprovado pela Câmara dos Deputados, onde o relator foi seu desafeto político Arthur Lira (PP-AL). O parlamentar pretende desmembrar pontos controversos e enviar à sanção apenas o “núcleo” da proposta — ou seja, a desoneração da base da pirâmide e a tributação da alta renda.
A expectativa é que o relatório final da proposta de isenção do IR seja apresentado até o fim de outubro, permitindo a votação no plenário do Senado e a sanção presidencial ainda neste ano. A medida é considerada estratégica pelo governo Lula, que quer aplicá-la já na declaração de 2026 — ano eleitoral.
Em entrevista ao Estadão, Renan disse haver dispositivos inconstitucionais no relatório aprovado sob a relatoria de Lira. As principais críticas recaem sobre concessões fiscais a setores de alta renda, como fundos agroindustriais (Fiagros), LCIs, LCAs e isenções para dividendos futuros, incluídas sem cálculo de impacto ou compensação orçamentária.
“O Senado não pode aceitar propostas que violam a Lei de Responsabilidade Fiscal”, disse Renan na entrevista. “Esses itens serão revistos ou desmembrados para tramitação paralela.”
Isenção do IR ampla, mas com responsabilidade fiscal
A proposta aprovada pela Câmara em setembro, por 493 votos, eleva a faixa de isenção de R$ 2.112 para R$ 5 mil mensais e prevê descontos graduais para quem ganha até R$ 7.350. A medida deve beneficiar cerca de 16 milhões de contribuintes e tem impacto estimado em R$ 31 bilhões por ano.
Para compensar a perda de arrecadação, o governo propôs uma alíquota mínima de até 10% sobre rendas mensais acima de R$ 50 mil, afetando cerca de 141 mil pessoas físicas com alta renda — hoje tributadas, na prática, por uma alíquota efetiva de apenas 2,5%.
Renan, porém, alerta que a Câmara incluiu isenções que esvaziam a arrecadação esperada, sem apresentar alternativas de compensação. Um dos principais exemplos é a blindagem de dividendos que tenham sido “lançados” até 31 de dezembro de 2025, mesmo que sejam pagos até 2028 — o que, segundo ele, abre brechas para fraudes.
“Você registra que o dividendo será distribuído futuramente, mas evita a tributação. É uma distorção grave que precisa ser corrigida”, alertou o senador.
Além disso, o relator pretende rever regras que afetam a arrecadação de Estados e municípios — especialmente em relação à isenção do IR de servidores públicos — e considera reincorporar medidas que estavam na Medida Provisória 1303, como a tributação de apostas esportivas (bets) e fintechs.
Estratégia para aprovar o essencial
Para evitar que as alterações forcem o projeto a voltar à Câmara, o senador sugere uma estratégia técnica: enviar à sanção apenas os pontos consensuais e desmembrar os itens polêmicos para tramitação paralela. A proposta já está sendo discutida em audiências públicas na CAE (Comissão de Assuntos Econômicos), presidida por ele.
“O que for comum ao texto da Câmara e ao que o Senado aprovar pode ser sancionado de imediato. O restante tramita em separado, com mais tempo para discussão”, pontuou.
Renan afirma ainda que a tramitação será rápida, mas “sem ceder a pressões de lobbies ou manobras que desviem o foco da justiça tributária”. Ele promete entregar o relatório final após a última audiência pública da próxima semana, e diz que o Senado manterá um debate “transparente, à luz do dia”.