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Reforma Administrativa formalizada, mas fora do prazo e fora do combinado
Na noite de 24 de outubro de 2025, o deputado Zé Trovão (PL/SC) protocolou na Câmara dos Deputados a PEC 38/2025, batizada de “nova Reforma Administrativa”. O gesto encerra meses de especulação e atraso: o Grupo de Trabalho (GT) criado em 28 de maio de 2025 tinha a missão explícita de apresentar sua proposta até 14 de julho, antes do recesso parlamentar.
O GT foi se esvaziando gradualmente, enquanto versões não oficiais da proposta circulavam em grupos de WhatsApp de assessores e entidades. A formalização tardia, meses depois do prazo, contradiz o roteiro anunciado no início dos trabalhos. A pressa de outubro colide com a promessa de “amplo debate” feita em maio: as audiências públicas e até a Comissão Geral ocorreram sem acesso ao texto oficial, com o tempo de fala reduzido a três minutos por representação convidada, mais formalidade política que participação efetiva.
Quem assina, assinou o quê ontem?
A PEC chega com 171 autores, o número mínimo exigido pelo Regimento Interno para protocolar uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC). Mas o dado mais eloquente não está na quantidade, e sim no histórico político desses signatários.
Segundo levantamento, dos 171 autores da PEC 38/2025, 144 votaram a favor da PEC da Blindagem, 20 foram contrários e 7 não participaram da votação no primeiro turno da Câmara.
O mesmo grupo que tentou aumentar a blindagem parlamentar de processos criminais agora assina uma reforma que centraliza o poder da União e enfraquece a autonomia dos entes federativos.
O efeito Brasília-centrismo
No núcleo da proposta estão dois dispositivos simbólicos, o art. 22 e o art. 28-A, que condensam o espírito da PEC.
O primeiro autoriza a União a definir normas gerais sobre praticamente todo o ciclo da administração pública: gestão de pessoas, governança, controle e governo digital. O segundo impõe um teto de gastos estadual, a ser replicado a partir de 2027, como se o Brasil fosse um só corpo fiscal.
O resultado?
- Estados ricos consolidam superávits e autonomia;
- Estados pobres comprimem serviços para caber no teto; e
- Municípios viram executores de decisões federais que não controlam.
É o velho reflexo Brasília-centrado: decidir longe de quem implementa.
E quando a norma ignora a heterogeneidade, a conta recai na ponta e no servidor.
Transparência é dizer quem assina
A contradição é evidente. A proposta que se apresenta como “modernizadora” nasce do mesmo grupo que tentou limitar o alcance da Justiça sobre o Legislativo. O DNA da Blindagem persiste: autoproteção política, centralização e déficit de transparência, agora travestido de “reforma administrativa”.
Cabe aos servidores e às entidades representativas ampliar o escrutínio sobre o texto formal; registrar, fundamentadamente, questionamentos sobre o escopo e os impactos federativos; e cobrar que qualquer tramitação seja acompanhada de audiências públicas, matriz de impactos e cronograma transparente.