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Ratificar Acordo de Escazú é afirmar democracia ambiental que Brasil promete ao mundo

por Plataforma Cipo
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Por Mariana Franco Ramos*

Enquanto o Brasil se prepara para sediar a COP30, em Belém, cresce também a expectativa sobre o que o país mostrará ao mundo. Mais do que uma conferência, o evento é uma vitrine das escolhas que estamos fazendo — e uma delas, decisiva, é a ratificação do Acordo de Escazú.

Assinado pelo Brasil em 2018, o Acordo Regional sobre Acesso à Informação, Participação Pública e Acesso à Justiça em Assuntos Ambientais na América Latina e no Caribe estabelece compromissos que fortalecem a transparência, ampliam a participação social e protegem defensoras e defensores de direitos humanos em temas ambientais. Trata-se do primeiro tratado do mundo a reconhecer formalmente o papel dessas pessoas na construção de sociedades mais justas e sustentáveis. Em outras palavras, é um pacto regional pela democracia ambiental.

O governo federal encaminhou o texto ao Congresso Nacional em 2023, entretanto, a ratificação ainda aguarda aprovação. No início de outubro, a Comissão de Relações Exteriores e de Defesa Nacional da Câmara dos Deputados rejeitou o parecer favorável ao projeto — decisão que gerou mobilização imediata da sociedade civil. Nesta semana, cinquenta organizações integrantes do Movimento Escazú Brasil enviaram uma carta a sete ministérios e à Presidência da COP30 pedindo uma ação coordenada do governo para apoiar a tramitação do texto e reforçar o compromisso brasileiro com a democracia ambiental e os direitos humanos.

O Acordo foi adotado em Escazú, na Costa Rica, em 2018, e entrou em vigor em 22 de abril de 2021, após ser ratificado por 11 países. Hoje, 18 nações latino-caribenhas já o ratificaram — entre elas Argentina, México, Chile, Uruguai e Colômbia¹. O tratado estabelece obrigações concretas de transparência ativa, acesso a dados ambientais, mecanismos de participação e instrumentos jurídicos para garantir que cidadãos e comunidades possam exigir justiça quando seus direitos são violados².

Nos países que o implementam, há resultados tangíveis. No Chile, por exemplo, Escazú impulsionou a criação de observatórios de informação ambiental e protocolos de consulta a povos indígenas em grandes empreendimentos, fortalecendo o controle social³. Na Costa Rica, o governo desenvolve uma política nacional de proteção a defensoras e defensores ambientais, articulando os ministérios de Justiça, Meio Ambiente e Direitos Humanos — uma medida que reduziu ameaças e ampliou a visibilidade de comunidades vulneráveis⁴.

A relevância de Escazú é ainda mais evidente em uma região marcada pela violência. De acordo com a Global Witness, mais de 80% dos assassinatos de defensoras e defensores ambientais registrados em 2024 ocorreram na América Latina. O Brasil segue entre os países mais perigosos: 25 ativistas foram mortos apenas em 2023⁵. O Acordo propõe medidas de prevenção, proteção e responsabilização — reconhecendo que a defesa do meio ambiente é também uma luta por direitos humanos.

O tema da transparência ambiental é igualmente urgente. Segundo o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), há hoje no Brasil mais de 35 mil ações judiciais envolvendo crimes ambientais. A tramitação é lenta: parte significativa desses casos leva mais de cinco anos para julgamento, e muitos acabam prescrevendo sem condenação⁶. Ao fortalecer o acesso à informação e à justiça, Escazú oferece instrumentos para reduzir a impunidade e a distância entre direitos previstos em lei e a realidade dos territórios.

Com a COP30 se aproximando, o país tem diante de si uma oportunidade histórica: reafirmar, por meio da ratificação de Escazú, seu papel de liderança regional comprometida com um modelo de governança ambiental que também fortaleça a democracia, os direitos humanos e a integridade da informação.

Dos 24 países que assinaram o tratado, 18 já o ratificaram. O Brasil pode se somar a esse grupo, transformando a expectativa em ação concreta. Ratificar Escazú, seja antes, durante ou logo após a COP30, enviaria ao mundo uma mensagem direta: que a Amazônia não é apenas cenário, mas símbolo de um novo modelo de governança ambiental — transparente, inclusivo e participativo.

Mais do que isso: o Brasil pode liderar um movimento regional, incentivando outros países amazônicos que ainda não ratificaram o tratado, como Peru e Venezuela, a fazê-lo. Seria um legado político e moral da COP30: uma Amazônia unida também na defesa da democracia ambiental.

O Acordo representa a possibilidade concreta de ampliar o acesso à informação, de garantir que todas as vozes, especialmente as mais vulneráveis, sejam ouvidas e de consolidar uma cultura de justiça ambiental. Sua aprovação não é o fim de um processo. É, sim, o começo de uma política mais aberta, mais justa e verdadeiramente democrática.

Ratificar o Acordo de Escazú é, portanto, afirmar, com serenidade e convicção, que a liderança climática do Brasil se constrói com diálogo, escuta e coragem política. É lembrar ao mundo — e a nós mesmos — que não existe futuro sustentável sem democracia ambiental.

Notas

¹ CEPAL – Regional Agreement on Access to Information, Public Participation and Justice in Environmental Matters in Latin America and the Caribbean


² Transparency International – The Escazú Agreement: A Regional Treaty for Environmental Democracy


³ Biblioteca Digital CIREN (Chile) – Plan Nacional de Implementación Participativa del Acuerdo de Escazú 2024-2030


⁴ Business & Human Rights Resource Centre (Costa Rica) – Proyecto de Ley 23.588: Ley para el reconocimiento y protección de personas defensoras de derechos humanos y del medio ambiente


⁵ Global Witness – Standing Firm: The Deadliest Year for Land and Environmental Defenders


⁶ Conselho Nacional de Justiça – Relatório Justiça em Números 2024

*Mariana Franco Ramos é coordenadora de Comunicação da Plataforma CIPÓ

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