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Por Cleber Lourenço
Um questionamento feito pelo senador Randolfe Rodrigues na CPMI do INSS na última quinta-feira (11) colocou no centro do debate a fragilidade dos controles sobre os descontos associativos aplicados em benefícios previdenciários. “Quem autorizou os desbloqueios em massa que permitiram novos descontos sem a devida autorização de cada segurado?”, perguntou o parlamentar sobre os convênios.
Ele também ressaltou que a área técnica responsável por denunciar fraudes dentro do instituto havia sido extinta e levantou suspeitas sobre vínculos de gestores com entidades conveniadas. “Isso fragilizou os controles e abriu espaço para práticas que precisam ser investigadas”, afirmou Randolfe. O ex-ministro da Previdência José Carlos Oliveira, citado diretamente, negou qualquer relação nesse sentido. O tom do embate expôs a tensão política em torno da apuração e evidenciou a necessidade de confrontar responsabilidades administrativas com diagnósticos técnicos.
O confronto ganhou força quando Randolfe leu trechos da auditoria interna e cobrou de Oliveira explicações sobre a extinção da Divisão de Acordos Nacionais de Benefícios (DANB), setor responsável por fiscalizar convênios. “Essa DANB era a responsável pela fiscalização que o senhor diz ser impossível. E ela foi extinta por portaria assinada pelo senhor mesmo”, rebateu o senador. Questionado sobre a data da extinção, Oliveira respondeu não se recordar. Randolfe então retrucou: “Mas foi extinta pelo senhor, em portaria que o senhor assina”. O senador também lembrou que a reestruturação foi subscrita por Paulo Guedes, Jair Bolsonaro e Onyx Lorenzoni.
Os atos que extinguiram e reestruturaram o orgão foram publicados inclusive no Diário Oficial da União.
As críticas de Randolfe encontram respaldo no relatório de apuração de 2024 sobre os descontos associativos, elaborado pela Auditoria Interna do INSS (Audin). O documento, com mais de 200 páginas, analisou a legalidade, legitimidade e efetividade dos descontos em benefícios, além de avaliar se as entidades conveniadas cumpriam as normas dos Acordos de Cooperação Técnica (ACT). O relatório concluiu que houve falhas na fiscalização, fragilidade no acompanhamento das parcerias e decisões administrativas contrárias à orientação normativa.
O ministro da Previdência do governo Bolsonaro José Carlos de Oliveira
Falta de fiscalização em convênios
Um dos trechos mais relevantes aponta que, em 2022, não houve fiscalização dos acordos. “Verificou-se que o ato de acompanhamento e verificação previsto nos ACT não foi executado no ano de 2022”, registram os auditores. A ausência é atribuída ao Decreto 10.995/2022 e à Portaria PRES/INSS 1.429/2022, que extinguiram a DANB e transferiram suas atribuições para a Diretoria de Benefícios (DCBEN), já sobrecarregada e sem quadro técnico adequado. “A DCBEN, além de acumular outras atribuições, não possuía quadro técnico suficiente para desempenhar a fiscalização ordinária”, anota o texto. Apesar disso, 12 novos acordos foram firmados naquele ano.
O relatório também alertou para a reincidência de entidades que já haviam tido acordos rescindidos, mas voltaram a operar sem avaliação criteriosa. Ressaltou ainda que não foram cumpridas rotinas de fiscalização previstas em norma, comprometendo a confiabilidade dos dados e dos repasses financeiros. Na prática, isso significa que entidades já consideradas problemáticas puderam voltar a atuar no sistema previdenciário sem barreiras adicionais. A auditoria concluiu que a ausência de fiscalização fragilizou os controles internos e abriu espaço para práticas abusivas.
Casos concretos também foram destacados. José Carlos Oliveira assinou em 2021 o Acordo de Cooperação Técnica com a AMBEC, que tinha apenas 3 associados e arrecadava R$ 135. No ano seguinte, já faturava R$ 15 milhões. “A Ambec, na sua gestão, cresceu 11 mil vezes. O senhor poderia me dizer quem estava na Diretoria de Benefícios e quem era o ministro da Previdência nesse período?”, perguntou Randolfe. Oliveira admitiu que era ele próprio, já no comando do Ministério da Previdência em 2022. Outro exemplo é a ABRAPPS (antes ANAPPS), afastada pelo Ministério Público Federal em 2019 e reabilitada na gestão de Oliveira. Ambas as entidades são acusadas de realizar descontos sem autorização e possuem grande volume de reclamações e ações judiciais.
Outro ponto relevante é o chamado “desbloqueio em lote”, prática considerada irregular pela auditoria. “Identificou-se a realização de desbloqueios em lote, sem observar a prévia, pessoal e específica autorização do titular, contrariando o art. 154 do Decreto 3.048/99”. Em termos simples, significa que vários benefícios foram liberados simultaneamente para receber descontos sem que cada segurado tivesse autorizado individualmente. Essa prática não apenas viola o princípio da autorização específica, mas também gera risco de abusos em escala.
As falas do senador e os alertas da auditoria convergem em três pontos centrais: a fragilidade dos controles internos, a falta de fiscalização e a adoção de práticas que colocaram em risco a segurança do sistema. Ao cobrar responsabilidades, Randolfe ecoou a própria recomendação dos auditores, que sugerem “rastrear a trilha decisória dos atos e identificar os responsáveis por decisões que contrariaram a orientação técnica”. Além disso, o relatório defende medidas estruturais para recompor a capacidade técnica das áreas de fiscalização, apontando que a reestruturação sem reposição de pessoal deixou o INSS vulnerável a irregularidades.
Os auditores também chamaram atenção para o impacto direto dessas falhas sobre os beneficiários. A ausência de fiscalização e a prática de desbloqueios em lote dificultaram a defesa dos segurados, que em muitos casos só tomaram conhecimento dos descontos ao verificar seus contracheques. O relatório alerta que tal cenário prejudica a confiança no sistema previdenciário e aumenta o volume de contestações administrativas e judiciais. Para especialistas ouvidos pela comissão, a questão não é apenas de falha administrativa, mas também de proteção de direitos fundamentais dos segurados.
O cruzamento entre a fala política e o diagnóstico técnico reforça que as fragilidades não se limitaram a um ano ou a decisões pontuais. Tratam-se de falhas estruturais que exigem apuração aprofundada e medidas corretivas duradouras para evitar a repetição de irregularidades no INSS. Para Randolfe, o episódio revela um desmonte deliberado da estrutura de controle no INSS durante o governo Bolsonaro, algo confirmado pelos auditores em documento oficial.