Quando olho para uma fila de corpos sem vida, no meio da rua, sinto medo. Medo do futuro — ou talvez do presente mesmo. Tenho medo do tipo de sociedade que meu filho, hoje um jovem adulto, vai encontrar ao construir sua jornada.
Porque, se a gente normaliza a matança indiscriminada e a barbárie, significa que os fins justificam os meios.
Mas qual é o fim, nesse caso? O Rio de Janeiro está livre das milícias e do Comando Vermelho depois dessa operação? Não, não está. Os moradores das comunidades dominados pelo tráfico estão mais seguros agora? Também não estão.
A criminalidade precisa, sim, ser combatida — mas com ações de inteligência, integrando Estado e governo federal. Todos queremos um Rio de Janeiro seguro e livre, mas isso não se alcança com execuções, e sim com políticas eficazes, estruturais e humanas.
Aqueles corpos enfileirados — e os dos quatro policiais mortos na operação — tinham história, famílias, marcas. Foram todos apagados da existência como se fossem meras “coisas”.
O Rio de Janeiro teve, nesta semana, a sua própria versão da Faixa de Gaza. Culpados ou inocentes, aquilo foi uma execução. E o Estado Democrático de Direito prevê que todos tenham direito ao processo legal, sejam condenados ou absolvidos pela Justiça — não pela polícia, nem por interesses políticos.
Se a sociedade brasileira não consegue olhar para essa fila de mortos e condenar a ação de Cláudio Castro, estamos mesmo à beira do precipício. O crime organizado é um dos maiores problemas do país: destrói vidas, aprisiona comunidades, corrompe jovens, espalha violência e drogas.
Mas matar criminosos é a melhor solução? Isso já funcionou em algum canto? Não, não funcionou. Esse tipo de operação coloca comunidades, inocentes e até policiais em risco — e eles não são apenas números.
Ainda que todos os bandidos encontrados nos complexos fossem mortos, a crise do crime organizado no Brasil estaria resolvida? Alguém acredita, de fato, que quem manda na milícia e no PCC vive nos morros e comunidades do Rio de Janeiro?
É preciso ter coragem para seguir o dinheiro e desmontar os esquemas, sufocando as operações criminosas na origem. Mais inteligência no trabalho do Estado não deixará como legado um rastro de sangue, injustiça e medo — e sim a possibilidade de uma sociedade menos doente e mais humana.