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A Câmara dos Deputados aprovou, na última semana, um dispositivo que permite a dedução direta em folha de pagamentos do INSS (Instituto Nacional do Seguro Social) operações de antecipação de aposentadorias e pensões. A medida, incluída em um projeto mais amplo, teve apoio expressivo de parlamentares do centrão e da oposição — e foi aprovada por 259 votos a 126. A base do governo tentou barrar o dispositivo, mas não conseguiu. O texto agora segue para análise no Senado.
Na prática, a decisão da Câmara retoma uma prática financeira polêmica, eliminada anteriormente pelo governo do presidente Lula, e que agora volta embutida em um projeto com objetivo oposto: combater fraudes no INSS. A decisão é vista por muitos como perigosa para os aposentados, pois pode aumentar o endividamento de uma população vulnerável.
A nova autorização revoga a possibilidade de desconto para associações e entidades — foco de investigações da Operação Sem Desconto, deflagrada neste ano, que apurou desvios de R$ 6,3 bilhões entre 2019 e 2024 em aposentadorias e pensões do INSS. No entanto, reacende o debate sobre os riscos de endividamento entre aposentados, ao permitir que instituições financeiras descontem valores antecipados diretamente da renda mensal de beneficiários da Previdência Social.
O texto aprovado não impõe limites ou proibições explícitas à cobrança de encargos financeiros, o que levantou críticas de parlamentares e especialistas.
O deputado Rogério Correia (PT-MG) foi um dos mais duros opositores durante a votação do projeto. Segundo ele, a ausência de garantias no texto pode abrir espaço para que bancos criem um produto “pior do que o crédito consignado”, com taxas potencialmente mais altas.
“Não há nada nele [texto] escrito sobre a antecipação ser no mês, nada, absolutamente nada. O tal programa Meu INSS já não existe mais. Então, a lei vale, não na intenção do relator, mas no texto: ‘A amortização de operações de antecipação de benefícios previdenciários’”, pontuou o deputado durante a sessão no plenário.
“Isso aqui é o ‘pró-banqueiro’. O consignado ao menos tem teto de juros. Esse novo modelo pode criar uma armadilha financeira para aposentados”, completou.
Já o relator da proposta, deputado Danilo Forte (União Brasil-CE), disse que a retirada da cláusula que proibia a cobrança de encargos foi feita a pedido da Casa Civil, em acordo com líderes partidários. Forte rebateu as críticas e atribuiu à articulação do governo a responsabilidade pelas alterações.
Histórico e riscos de superendividamento de aposentados e pensionistas do INSS
A decisão do Congresso vem poucos meses após o INSS suspender, em maio, o programa de antecipação salarial para aposentados, devido a denúncias de cobranças indevidas e descumprimento de regras. Criado em novembro de 2024, o programa permitia adiantamentos de até R$ 150, sem juros ou tarifas, funcionando como um “vale emergencial”.
Em fevereiro, o valor foi ampliado para R$ 450 e flexibilizado para permitir outras formas de recebimento — o que aumentou as críticas por falta de controle.
Após denúncias de taxas indevidas e juros de até 5% em algumas operações, a Febraban (Federação Brasileira de Bancos) e a ABBC (Associação Brasileira de Bancos) pediram a suspensão do programa. Ambas as entidades agora se posicionam contra o dispositivo aprovado na Câmara.
Em nota, a Febraban alertou para o risco de criação de um produto paralelo ao consignado, porém, sem as mesmas garantias regulatórias.
“A criação de um novo produto que permita endividamento adicional e com taxas superiores poderá trazer descontrole financeiro e prejuízos relevantes a públicos mais vulneráveis”, afirmou a entidade.
A ABBC, por sua vez, defendeu a supressão total do dispositivo, classificando a antecipação como operação de crédito sem os devidos controles legais.
Pontos centrais do texto
O que foi aprovado: um trecho de um projeto de lei que autoriza os bancos a descontarem diretamente da aposentadoria/pensão valores referentes a antecipações de benefício. Isso foi incluído em um projeto que originalmente buscava combater fraudes no INSS.
O que muda: recria uma prática que havia sido proibida pelo próprio INSS meses antes. Exclui garantias importantes, como a proibição de cobrança de juros ou taxas, o que abre caminho para operações financeiras mais caras do que o consignado.
Reações e críticas: parlamentares da oposição e especialistas alertam que isso pode aumentar o endividamento dos aposentados, criando um novo produto bancário sem os controles e limites legais.
Entidades como a Febraban e a ABBC também são contra, temendo impactos negativos para os beneficiários.
Contexto político: o dispositivo foi aprovado com apoio do centrão e da oposição, contra a vontade do governo, que tentou barrar o trecho. A medida ainda precisa passar pelo Senado para virar lei.