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Professor, sabe por que você ganha mal? Falta financiamento público

por Bia Abramo
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Por Valter Mattos da Costa*

Desde que iniciei minha conversa com a pesquisadora e pedagoga Mariana Peleje Viana, formada pela USP (Universidade de São Paulo), descobri que a FINEDUCA (Associação Nacional de Pesquisa em Financiamento da Educação) – da qual ela é associada e faz parte da equipe de comunicação nas redes sociais – ocupa um papel estratégico no debate brasileiro sobre educação.

Mariana me relatou que, “embora sejamos professores e pesquisadores, nossa voz muitas vezes encontra pouca expressão pública” — e, por isso, associações como essa são essenciais para conectar produção acadêmica e pressão política.

A Fineduca surgiu como um espaço de articulação entre pesquisadores interessados em financiamento educacional, com objetivo claro: incidir no debate público, produzir notas técnicas, participar de audiências e influir nas decisões legislativas. No site oficial, vemos que a associação defende metas como os 10% do PIB para a educação e comissões dedicadas à divulgação e à formulação de políticas públicas.

No entanto, conforme me relatou a Mariana, “o que está em jogo é o projeto de educação que queremos para o país. O Custo Aluno Qualidade (CAQ) e o investimento equivalente a 10% do PIB em educação não são metas técnicas de gasto, mas escolhas políticas de investimento: significam inverter a lógica do quanto podemos gastar com educação para quanto precisamos investir para garantir a educação que o Brasil precisa.”

Uma das principais bandeiras da Fineduca é assegurar a permanência da meta de 10% do PIB para o financiamento da educação pública no novo Plano Nacional de Educação (PNE 2024-2034). Em nota técnica recente, a associação alerta que o cumprimento efetivo das metas educacionais depende de um investimento equivalente a esses 10%, valor considerado indispensável para garantir qualidade, equidade e valorização dos profissionais da educação no país. No entanto, o relator do novo PNE, deputado federal Moses Rodrigues (União Brasil-CE), propôs que desse total, 7,5% sejam destinados à educação pública e 2,5% ao setor privado.

A mudança, se aprovada, distorceria o princípio original da meta, concebida para assegurar financiamento integralmente público da educação nacional. Essa proposta não caiu do céu: em documento da Fineduca, seus autores estimam que há “riqueza suficiente” no país para esse investimento, desde que se mobilizem fontes novas e se rompa com amarras fiscais que tratam a educação como gasto a ser contido.

Nesse sentido, a Fineduca também dialoga e coopera com a Campanha Nacional pelo Direito à Educação – uma estratégia inteligente de articulação social e mobilização pública, sobretudo nas redes sociais. A divulgação das pesquisas e posicionamentos da Fineduca via essa aliança ajuda a traduzir termos técnicos para o cotidiano das resistências e lutas sociais.

Outro tema central da associação é o CAQ – Custo Aluno Qualidade, cuja implementação se discutiu como referência para o Sistema Nacional de Educação (SNE) em tramitação no Senado (em 6 de outubro) e que agora segue para sanção (também chamada do “o SUS da Educação”). Nesse e em outros debates legislativos, a Fineduca vem atuando com emendas e notas técnicas que denunciam falhas e insuficiências nos textos propostos.

A meta dos 10% do PIB para a educação pública não é uma novidade: ela já constava do Plano Nacional de Educação anterior (2014-2024), mas nunca foi efetivamente cumprida. Passada uma década, o investimento público real segue em torno de 5% do PIB. Agora, o risco é de retrocesso.

O lobby empresarial pressiona para que o novo Plano reduza a fatia destinada ao setor público para 7,5% e reserve 2,5% ao setor privado, enfraquecendo a essência da meta e desfigurando o princípio de que os recursos públicos devem financiar prioritariamente a educação pública.

Para a Mariana, “sem 10% do PIB, é retrocesso” – expressão que carrega o peso de uma militância acadêmica que reconhece o momento crítico da educação pública no Brasil. A frase evidencia que não falamos aqui de tecnocracia puramente abstrata, mas de escolhas éticas, políticas e estratégicas. Apesar do caráter acadêmico de muitos de seus integrantes – professores de pós-graduação, pesquisadores de universidades públicas –, a associação não se limita ao clausulado da produção científica. Sua revista Fineduca é de acesso livre e por pares, com objetivo de difundir estudos, reflexões e instrumentos analíticos para além dos muros universitários.

Além disso, seus eventos anuais (como o 13º Encontro, realizado entre 17 e 19 de setembro de 2025) geram não só trocas acadêmicas, mas cartas e proposições que alimentam ações no Legislativo, manifestos públicos e articulações com movimentos sociais.

A Carta de Brasília aprovada no 13º Encontro é um bom exemplo dessa estratégia: ela fixa sete linhas de ação voltadas para assegurar recursos à educação, defendendo a retirada de saúde e educação do arcabouço fiscal e o combate à captura privada dos recursos públicos.

Um valor agregado dessa ação coletiva é que pesquisadores da Fineduca não replicam o tom corporativo ou restrito. Ao contrário, eles buscam “traduzir” diagnósticos para a sociedade civil, oferecendo instrumentos que podem ser utilizados por mobilizações, sindicatos, associações de pais e redes educacionais locais. A divulgação, portanto, não é supérflua: é estratégica.

Em minhas pesquisas, falas com professores do ensino básico e textos no ICL, tenho procurado tratar da interseção entre política e educação, da tensão entre tecnicismo e compromisso social. O trabalho da Fineduca se insere exatamente nesse ponto de intersecção – não para romantizar a ciência, mas para traduzi-la em conhecimento popular, concedendo à pesquisa uma dimensão pública mais assertiva.

Há dificuldades claras: recursos escassos para a participação da associação na imprensa, baixa visibilidade fora do meio acadêmico e pressões, reiteirando, de lobbies privados interessados em capturar o financiamento público. Essas forças atuam sobretudo na tramitação legislativa do PNE e na definição regulatória do SNE. Mariana me confessou que, “fora do ambiente acadêmico, o debate é político, não apenas técnico” – e que o poder privado está atento para influenciar os dispositivos onde se decide o destino do dinheiro público.

“O orçamento público da educação”, como observa Mariana, “vive em permanente disputa”. E acrescento: o próprio significado de “educação” no Brasil também está em disputa – entre uma educação verdadeiramente freiriana, crítica e emancipadora, e outra, tecnocrata, moldada para atender exclusivamente às demandas do mercado de trabalho.

Nesse contexto, a Fineduca revela-se como uma fronteira ou linha de defesa intelectual, oferecendo insumos técnicos e políticas de incidência para que o financiamento da educação pública não seja reduzido à questão orçamentária anual, mas debatido como vetor estratégico de justiça social.

Para o professor que acompanha o debate educacional, conhecer a Fineduca é entender que nossas pesquisas não estão isoladas em uma torre de marfim: elas podem irrigar políticas, resistências e mobilizações. E para o docente engajado, apoiá-la – mencionando seus estudos, apontando suas notas e exigindo suas proposições do Congresso – é parte de um compromisso mais amplo com a educação pública.

Por fim, reitero que este artigo é resultado de minhas conversas com a Mariana, associada da Fineduca e integrante da comissão de divulgação da entidade. Seu relato, suas críticas e suas esperanças compuseram o gesto de escrever sobre algo que vai além da academia – a construção de um projeto de nação centrado no direito à aprendizagem e no protagonismo docente, “reconhecendo o papel fundamental da mobilização social e coletiva” (Marina Peleje Viana).

*Professor de história, especialista em história moderna e contemporânea e mestre em história social, todos pela UFF, doutor em história econômica pela USP e editor da Dissemelhanças Editora.

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