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PMs são investigados por envolvimento na venda de madeira ilegal no Mato Grosso

por Schirlei Alves
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Por Adriana Amâncio e Ylanna Pires – Ponte Jornalismo

Dois policiais militares acusados de se beneficiarem com a venda de madeira extraída de forma ilegal da Estação Ecológica Rio Ronuro, em Feliz Natal, a 1.100 km da capital do Mato Grosso, Cuiabá, foram liberados pela Vara Única local à exercerem funções administrativas. A investigação ocorre às vésperas da 30ª Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas (COP30), que será realizada entre os dias 10 e 21 de novembro, em Belém (PA).

A madeira teria sido adquirida pelos próprios autores do desmate ilegal. A condição para a liberação é que os PMs não sejam lotados nas cidades de Feliz Natal, Vera e Nova Ubiratã. Eles seguem impedidos de atuar no policiamento ostensivo.

O comandante e o sargento atuavam no 4º Pelotão de Polícia Militar da cidade e respondem pelo crime de improbidade administrativa. O inquérito menciona ainda a participação no esquema de um suspeito de integrar a facção criminosa Comando Vermelho. A Ponte teve acesso com exclusividade a documentos do processo.

Segundo o Ministério Público do Mato Grosso (MP-MT), o afastamento é uma medida cautelar com o objetivo de evitar interferência nas investigações. A decisão inclui a proibição de contato com testemunhas e a atuação apenas em funções administrativas fora das comarcas de Feliz Natal, Vera e Nova Ubiratã.

A decisão é uma prorrogação do afastamento inicial de 90 (noventa) dias, que havia sido estabelecido pelo Tribunal de Justiça de Mato Grosso (TJ-MT) em setembro, após negar um pedido  da defesa pelo retorno dos policiais às atividades. Ambos seguem recebendo salários sem alteração.

Nos autos consta que os réus coordenaram um “leilão simulado”, envolvendo 180m³ de madeira ilegal apreendida na UC Rio Ronuro. A negociação envolveu um Grêmio Desportivo da PM, criado no dia 6 de setembro de 2024, quatorze dias antes da licitação da madeira, realizada em 20 de setembro.

Segundo a acusação, o esquema favoreceu madeireiros e outros agentes, incluindo indivíduos conhecidos por atividades ilegais e por integrar a facção criminosa Comando Vermelho. Há indícios de que o sargento teria recebido, em uma conta bancária particular, um depósito oriundo dessa transação no valor de R$ 23.103,00.

Transferência dos envolvidos

Além de prorrogar o afastamento, o Ministério Público rejeitou todas as teses apresentadas pelas defesas, que argumentaram, por exemplo, que o afastamento era desnecessário, pois os réus já haviam sido transferidos para os municípios vizinhos de Vera e Santa Carmem. Alegou ainda que a manutenção da cautelar gerava prejuízo à sociedade e aos policiais, por mantê-los recebendo os salários sem exercerem o cargo, e impedindo-os de participar de cursos de promoção.

Tanto o Tribunal de Justiça do Mato Grosso (em setembro) quanto o MP-MT (em outubro) rejeitaram essa tese, considerando que a transferência para cidades próximas a Feliz Natal era insuficiente para neutralizar a influência hierárquica e o risco de interferência no processo.

Os policiais estão proibidos de manter contato ou aproximação com quaisquer testemunhas ou demais envolvidos nos fatos, exceto o caso do sargento e do policial aposentado que são pai e filho.

A responsável pela Delegacia Ambiental do Mato Grosso, órgão responsável pelas investigações e buscas e apreensões, Liliane Murata, identifica que “a atividade madeireira é muito rentável e tem contribuído para outros crimes, inclusive fomentando organizações criminosas.”

A Estação Ecológica do Rio Ronuro, de onde a madeira foi retirada, é uma Unidade de Conservação Estadual criada pelo Decreto nº 2.207 de 1998. A Unidade de Proteção Integral é de responsabilidade da Secretaria de Estado de Meio Ambiente (SEMA).

Ao longo dos seus 102 hectares, o espaço abriga várias espécies de fauna, tais como ararinha, jacaré-açú, lobo-guará, onça-parda, tamanduá-bandeira e tatu-canastra em uma zona de transição entre a Amazônia e Cerrado.

“A atividade madeireira é muito rentável e tem contribuído para outros crimes, inclusive fomentando organizações criminosas”, disse Liliane Murata, da Delegacia Ambiental do Mato Grosso.

As constantes denúncias de crimes ambientais, envolvendo supostas alianças entre membros de facções e agentes do Estado mostram que a segurança pública cabe na agenda da COP 30. Agentes de combate à repressão ao crime organizado afirmam que, ao longo dos nove estados que compõem a parte do Brasil na Amazônia Legal, o crime se imbrica às atividades de garimpo e extração de madeira ilegal, por exemplo.

No estado do Mato Grosso, a geografia do crime organizado se molda às dinâmicas das cidades, transformando as suas características em potenciais para desenvolver a economia do crime, no coração da floresta.

Organização de fachada

O Inquérito civil foi instaurado no Ministério Público do Mato Grosso com base em denúncias anônimas. Com o avanço das investigações e com a presença de provas contundentes o órgão concluiu que três policiais militares, dois da ativa e um aposentado, criaram uma organização de fachada, que lucrava para fazer com que a madeira roubada fosse comercializada aos próprios autores da extração ilegal.

A organização em questão é o Grêmio Recreativo e Desportivo dos Policiais Militares de Feliz Natal. Segundo o MP, essa organização forjou um leilão, que envolvia três propostas de empresas, sendo duas apresentadas no dia do lançamento do edital e uma três dias após.

Segundo o documento, “as três propostas possuem o mesmo leiaute e aparência, apenas alterando-se os nomes das empresas e as propostas, elemento fortemente indicativo da fraude denominada “MONTAGEM DE PROPOSTAS”, diz o texto. O sargento e o capitão, apontado como chefe, teriam usado a estrutura da própria corporação para manter o esquema.

As madeiras apreendidas não contavam com documentos comprobatórios das circunstâncias da apreensão. O total somava 293m³, foram comercializados 180m³ e 129 m³ foi a quantidade encontrada em posse das madereiras que venceram o suposto leilão.

A carga foi transportada da UC Rio Ronuro ao município em um transporte, cujo pagamento “foi feito diretamente a terceiros, sem qualquer procedimento prévio”, diz a denúncia.

Os acusados alegaram “falta de tempo hábil e temor de represálias por parte dos transportadores para  a não realização de orçamento prévio com três empresas ou prestadores de serviço para o transporte das toras”, diz o documento do MP-MT.

A assinatura do recibo foi feita sob a justificativa de que trabalhava com locação de caminhões. Mas, segundo as investigações, na verdade o irmão de um deles realizou o transporte da madeira.

Nos autos, consta que este irmão “possui diversas passagens criminais nos municípios de Feliz Natal e União do Sul no Mato Grosso, principalmente, por delitos ambientais, já com condenação, sendo pessoa extremamente conhecida das autoridades ambientais, na prática dos crimes de furto, extração e transporte ilegal de madeira”, diz o texto.

O inquérito menciona ainda que ele é suspeito de integrar a facção criminosa Comando Vermelho, com forte atuação no Mato Grosso. A contratação do transporte da madeira não contou com licitação.

Madeira roubada com aparência de legalidade

Ainda segundo as investigações, a empresa ganhadora do leilão pertence à esposa de “outro conhecidíssimo madeireiro envolvido na extração ilegal de madeiras no município”, diz o documento. Um comprovante bancário confirma o depósito de R$ 23.103 reais na conta do sargento no dia 25 de setembro, ou seja, um dia após a realização do leilão.

Um dos acusados alegou que o depósito fora feito em conta privada porque “não estavam autorizados a realizarem as movimentações na conta do grêmio”.

Segundo apuração no MP, “a conta bancária do Grêmio foi aberta em 19/09/2024 e  não foram verificadas quaisquer inconsistências que justificassem a não realização dos pagamentos diretamente na conta bancária”. O órgão considerou que “a manobra indicava uma tentativa deliberada de desviar os valores”.

O Ministério Público pede que seja “decretado, liminarmente, a indisponibilidade de bens dos requeridos (…) no valor de  R$ 129.850,00 (cento e vinte e nove mil, oitocentos e cinquenta reais)”. Também reivinda “a condenação dos réus a pagar, no mínimo, R$ 200 mil, de forma solidária, a título de danos morais coletivos, a ser destinados ao Conselho Comunitário de Segurança (CONSEG/Feliz Natal) e a pagar no mínimo, R$ 100 mil a título de danos sociais, a ser destinados ao Conselho Comunitário de Segurança (CONSEG/Feliz Natal)”, diz outro trecho do processo.

De posse de milhões de créditos fictícios, os madeireiros conferem uma aparência de legalidade à madeira roubada, pois meio do esquente de madeira. O esquema funciona da seguinte maneira: os planos de manejo estabelecem quais madeiras devem ser protegidas e quais podem ser extraídas.

Esse documento reúne um cálculo de quantos metros cúbicos de madeira podem ser retirados. Os madeireiros costumam lançar no Sistema de Gestão de Exploração Florestal (Sisflora) uma quantidade de metros cúbicos superior a que foi extraida e complementam esses créditos com madeira ilegal retirada de áreas probidas, a exemplo da Estação Ecológica Rio Ronuro.

Operação Orcs, da Polícia Civil, apreendeu celulares e documentos


A Operação Orcs foi deflagrada pela Polícia Civil, por meio da Delegacia Especializada do Meio Ambiente (DEMA), em abril deste ano, para desarticular uma associação criminosa atuante na extração, transporte e comercialização ilegal de madeira na Região Norte de Mato Grosso.

A ação cumpriu um total de 13 mandados judiciais, sendo um mandado de prisão e 12 mandados de busca e apreensão domiciliar em endereços de residências e empresas nas cidades de Feliz Natal, Sorriso e Sinop.

A investigação se concentrou em um complexo esquema de corrupção envolvendo policiais militares, empresários madeireiros e transportadores, apurando crimes como corrupção ativa e passiva, associação criminosa e lavagem de dinheiro.

O delegado Marcello Henrique Maidame, da Delegacia Especializada do Meio Ambiente (Dema), no Mato Grosso, comentou sobre a natureza da operação e a coleta de provas: “Deflagramos uma operação com base em indícios de irregularidades e ilegalidades. Na ação, apreendemos celulares e documentos, e há um inquérito em curso.”

Em relação ao prosseguimento da investigação, Maidame explicou as próximas etapas legais: “O inquérito segue em andamento: os celulares estão na perícia para extração de dados; depois da análise de todo o material, eu, como delegado, decidirei se há indícios suficientes de autoria e materialidade para indiciar os investigados. Em seguida, o caso vai ao Ministério Público, que poderá oferecer denúncia e iniciar a fase judicial.”

O que dizem as autoridades

A reportagem da Ponte entrou em contato com as defesas dos PMs por telefone. A ligação foi atendida, mas logo em seguida, a chamada foi encerrada. Insistimos, mas não conseguimos contato até o fechamento desta reportagem.

Também fizemos contato com o MP-MT, perguntando dentre outras coisas, o que pesou na decisão de liberar o retorno dos PMs às funções administrativas. Procuramos saber se há novas movimentações no processo, se há previsão de julgamento e se há possibilidade de exoneração dos agentes públicos.

A reportagem enviou, ainda, e-mail para a assessoria de imprensa da Secretaria de Estado de Meio Ambiente do Mato Grosso perguntando se, após a operação, o órgão adotou alguma medida para dar mais rigor à proteção da UC Rio Ronuro e evitar o uso do Sisflora no esquente de madeira roubada. Nenhum dos dois órgãos respondeu. O espaço segue aberto.

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