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PM mata a tiros morador de ocupação no centro de São Paulo

por Gabriel Anjos
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Por Paulo Batistella – Ponte Jornalismo 

Um morador de uma ocupação na Rua Guaporé, no bairro da Luz, na região central de São Paulo, foi morto a tiros pela Polícia Militar paulista (PM-SP) na manhã desta terça-feira (23/9). Uma outra pessoa que vive no local relatou, à Ponte, ter se tratado de uma execução — em circunstâncias semelhantes às de outras duas mortes também cometidas por policiais militares no mesmo lugar há cinco meses.

A vítima mais recente foi identificada como Valter Junior Pereira de Araújo, de 26 anos. Ele vivia no local com a companheira e as filhas do casal, duas bebês gêmeas. O morador estava sozinho em um dos pequenos barracos da ocupação quando quatro policiais da Ronda Ostensiva com Apoio de Motocicletas (Rocam) teriam invadido o lugar e matado ele, sem que oferecesse ameaça.

A execução ocorreu por volta das 10h30, ainda conforme foi relatado à reportagem, e o corpo de Valter foi mantido no local até por volta das 16h, sem que outros moradores da ocupação pudessem se aproximar, impedidos pela PM-SP. Eles chegaram a acionar o socorro, mas uma ambulância que foi ao local teria sido dispensada pelos policiais, ocasião em que a vítima já estava morta.

Policiais da Força Tática e de um Batalhão de Ações Especiais de Polícia (Baep) também estiveram no local. Os agentes teriam jogado água no barraco em que Valter foi morto para dispersar o sangue.

PM-SP não explica razão da abordagem

A Secretaria da Segurança Pública paulista (SSP-SP) comunicou, em nota, que Valter teria reagido a uma abordagem da PM-SP, sem esclarecer por qual razão os policiais teriam interpelado ele dentro da ocupação. A pasta afirmou ainda que teria sido encontrado um revólver calibre 32 com a vítima. O relato feito à Ponte por quem vive na ocupação — onde moram cerca de 40 pessoas, incluindo mulheres e crianças — é de que essa suposta arma de fogo foi plantada na cena pelos matadores. O entendimento no local é também de que Valter foi executado por já ter antecedentes criminais.

Em dezembro de 2023, ele e duas mulheres haviam sido presos em flagrante com sete gramas de metonitazeno, um opióide, acusados de estarem traficando a droga na entrada da estação Armênia — a ocupação na qual ele foi morto fica a 500 metros do local, embaixo de um viaduto pelo qual passa o metrô, em um terreno cercado por um muro e acessado por um portão de lata.

Valter obteve um alvará de soltura em janeiro do ano passado. Em março deste ano, ele acabou condenado em primeira instância por tráfico de drogas por um outro caso, de 2019, no qual foi pego com duas gramas de crack, três de cocaína e oito de maconha — a pena imposta a ele foi convertida em restritivas de direitos, para que prestasse serviços a comunidade e pagasse uma multa.

O morador da ocupação também já havia sido denunciado por um furto a uma loja, ocasião em que, junto de um outro homem, levou um celular, uma caixa de som e R$ 1,3 mil em dinheiro do local. Assim como nos outros casos, o crime pelo qual ele respondia teria sido cometido sem emprego de violência ou uso de qualquer arma de fogo.

Mortes semelhantes em ocupações no centro

Antes de Valter, dois homens haviam sido mortos na mesma ocupação em 17 de abril deste ano. Na ocasião, a PM-SP fez o mesmo relato de que eles teriam sido baleados após reagirem a uma abordagem. À época, os moradores fizeram um protesto no qual negaram a versão policial e afirmaram terem sido execuções — quem vive ali diz ainda que, desde então, policiais ameaçaram voltar ao local para cometerem uma terceira morte.

Uma semana antes daquele episódio, também em abril deste ano, a Polícia Militar ainda havia matado um morador de uma outra ocupação com dimensões parecidas na região central de São Paulo, na Rua Prates, no bairro do Bom Retiro — o espaço fica a pouco mais de um quilômetro de distância da ocupação na Rua Guaporé.

Neste caso, a vítima foi Amarildo Aparecido da Silva, um homem negro de 36 anos conhecido no local como Kaká. Ele foi morto a tiros dentro de um pequeno barraco da ocupação. A PM-SP alegou que teria reagido a um iminente confronto, mas os moradores relataram que se tratou de uma execução.

À época, a Ponte esteve no local, também conhecido como favelinha da Prates. Cercada por muros e acessada por um portão de lata, ela fica na quadra final da Rua Prates, onde a via se torna sem saída, e está de frente para o Complexo da Prates, um conjunto de equipamentos públicos destinados à assistência social e à saúde de pessoas em situação de vulnerabilidade — em especial dependentes químicos, que circulam o tempo todo por ali. A maioria dos que vivem na ocupação, cerca de 70 pessoas, está sob condições precárias: são usuários de drogas, têm problemas com familiares ou estão fora do mercado de trabalho formal. Há ainda crianças morando no lugar, aos cuidados dos pais.

Segundo os moradores, Amarildo foi carregado pelo braço desde a entrada da ocupação até o local da execução. O relato feito à época também foi de que ele teria sido morto por ter antecedentes criminais. A vítima já havia sido presa por tentar roubar um iPhone 6s em 2019, ocasião em que disse ter cometido o crime por estar em abstinência de droga. Ele havia sido solto em novembro do ano passado.

A PM-SP afirmou na ocasião que teria apreendido com ele um revólver calibre 32 raspado, o que os moradores também relataram ter sido plantado na cena pelos matadores. Ainda teriam sido apreendidas porções de crack, cocaína e K2, além de uma bolsa, dois celulares e R$ 574 em dinheiro com Amarildo.

Leia a íntegra da nota da SSP-SP

Leia a íntegra da nota da SSP-SP

“Um homem de 26 anos reagiu a uma abordagem da Polícia Militar na manhã desta terça-feira (23), na Rua Guaporé, região central de São Paulo. Ele chegou a ser socorrido por equipes da USA e do SAMU, mas não resistiu. Um revólver calibre .32 foi encontrado com ele. A ocorrência foi registrada no Departamento Estadual de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP)”.

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