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Fortemente criticado por ambientalistas, a exploração da Bacia da Foz do Amazonas, na chamada Margem Equatorial, pode marcar uma das mais importantes movimentações estratégicas da Petrobras nas últimas décadas. Após anos de entraves ambientais e impasses políticos, a estatal obteve do Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) a licença para perfuração de um poço exploratório no bloco FZA-M-059, a cerca de 500 km da foz do Rio Amazonas e a 175 km da costa do estado do Amapá.
A estimativa de 6,2 bilhões de barris de óleo equivalente (boe), segundo a EPE (Empresa de Pesquisa Energética), confere ao projeto um enorme peso econômico. A título de comparação, as reservas provadas atuais da Petrobras são de 11,4 bilhões de boe. Ou seja, essa nova fronteira tem potencial de quase 55% do volume total de petróleo já comprovado da empresa.
A perfuração, que começa imediatamente e deve durar cerca de cinco meses, ainda é apenas a fase inicial do processo, voltada à pesquisa geológica. Mas os impactos econômicos — mesmo antes da confirmação da viabilidade comercial — já mobilizam governo, setor privado e analistas de mercado.
Um ponto importante é que a licença ocorre no momento em que os preços do petróleo estão em queda, e é difícil saber o que vai acontecer com a commodity quando — e se — a exploração vai de fato ocorrer daqui a algumas décadas.
Na segunda-feira (20), os contratos futuros de petróleo fecharam em queda enquanto investidores ponderam um possível excesso de oferta da commodity. O petróleo WTI para dezembro, negociado na Nymex (New York Mercantile Exchange), fechou em queda de 0,23% (US$ 0,13), a US$ 57,02 o barril. Já o Brent para dezembro, negociado na ICE (Intercontinental Exchange de Londres), recuou 0,46% (US$ 0,28), a US$ 61,01 o barril.
Investimento bilionário e aposta de longo prazo da Petrobras
O plano estratégico 2025-2029 da Petrobras destina US$ 3 bilhões para a Margem Equatorial. Oito dos quinze poços previstos nesse plano serão perfurados na Bacia da Foz do Amazonas. A decisão da estatal representa uma clara tentativa de diversificar suas operações, hoje altamente concentradas no pré-sal da Bacia de Santos.
Com o pré-sal devendo entrar em declínio a partir da próxima década, abrir novas frentes de produção se torna imperativo para a sustentabilidade da empresa e para manter o Brasil entre os grandes produtores globais de petróleo.
Além disso, o projeto impulsiona o desenvolvimento regional. O Norte e o Nordeste — historicamente excluídos dos grandes investimentos da cadeia de óleo e gás — podem se beneficiar de uma nova onda de empregos qualificados, infraestrutura e arrecadação.
Resposta do setor: soberania energética e geração de empregos
A licença foi celebrada por membros do governo, do setor privado e por políticos locais como um passo necessário para a soberania energética brasileira. O ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, classificou a Margem Equatorial como “o futuro da nossa soberania energética”, destacando que o petróleo brasileiro é “um dos mais sustentáveis do mundo”.
Organizações do setor, como a ABESPetro (Associação Brasileira das Empresas de Bens e Serviços de Petróleo), reforçaram que a nova fronteira é crucial para manter a autossuficiência em petróleo e gerar empregos de alta qualificação, especialmente em regiões menos desenvolvidas.
O que diz Magda Chambriard, presidenta da Petrobras
A presidenta da Petrobras, Magda Chambriard, afirmou, em entrevista ao blog da jornalista Míriam Leitão, em O Globo, que a licença marca o início de uma nova fase de pesquisa exploratória no país. Segundo ela, embora o potencial seja promissor, trata-se de uma aposta com alto risco exploratório.
“Isso é uma busca de agulha num palheiro”, disse Magda. “Mesmo que o primeiro poço seja seco, isso não quer dizer nada. Os estudos indicam potencial, mas só a perfuração vai dizer.”
Ela destaca que o projeto faz parte de uma transição energética justa, que leve desenvolvimento ao país sem comprometer a sustentabilidade. A escolha da Margem Equatorial também visa descentralizar os investimentos, historicamente concentrados no Sudeste.
Sobre o processo de licenciamento, Magda vê com bons olhos a complexidade das negociações com o Ibama: “Talvez mais complicado do que a gente gostaria, mas muito positivo. A discussão e o embate de áreas diferentes só aprimoram o processo. Estamos oferecendo o maior plano de emergência individual já visto no planeta para esse tipo de projeto.”
A executiva afirmou que a Petrobras já tem outros cinco ou seis pedidos de licenciamento para perfuração na mesma região, todos em andamento. Caso o poço encontre petróleo em volume comercial, o projeto de produção pode levar de sete a dez anos para se concretizar.
Licença reforça posição do Brasil como player global no petróleo
Para especialistas, o Brasil precisa de novas áreas para manter sua relevância no mercado energético global.
Alguns lembram, por exemplo, que enquanto o Brasil demorava anos discutindo licenciamento na Foz do Amazonas, países vizinhos como a Guiana avançaram rapidamente e viram seus PIBs crescerem com a produção de petróleo.
Desenvolvimento regional e impacto econômico local
A perfuração na Margem Equatorial é também uma aposta política de alto risco. O presidente Lula via na liberação da licença um compromisso com o senador Davi Alcolumbre (União-AP), aliado estratégico e representante do Amapá. O estado, um dos mais pobres do país, pode se beneficiar de forma decisiva com a implantação da indústria petrolífera.
A criação de bases de apoio, centros logísticos, transporte marítimo e aéreo e escoamento de produção exigirá infraestrutura, mão de obra local e fornecedores regionais, o que tende a estimular toda a cadeia econômica local — da construção civil à hotelaria.
Porém, tudo ainda está no plano da aposta futura, e muita água pode rolar por debaixo dessa ponte até lá.
Licença antes da COP30
Apesar do foco econômico, o debate ambiental segue intenso. A licença foi concedida às vésperas da COP30 (Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas), que ocorrerá no Brasil em 2025.
Ambientalistas apontam contradições entre o discurso de liderança climática global e a autorização para exploração em uma região considerada ecologicamente sensível, com manguezais, recifes e biodiversidade ainda pouco estudada.
A Petrobras e o Ibama afirmam que o processo seguiu os mais altos padrões internacionais, com mais de 60 reuniões técnicas, audiências públicas e simulações de emergência. A estatal criou centros de reabilitação de fauna oleada e se comprometeu com um plano de emergência robusto.