Por Cleber Lourenço
Barroso anunciou que vai se aposentar do Supremo Tribunal Federal com a mesma pompa com que sempre tratou a própria biografia. Falou pausadamente, usou as palavras certas e manteve o olhar sereno de quem acredita encerrar um ciclo de luz e serviço ao país. Não houve luto, tampouco tragédia. Houve cálculo: a decisão de sair antes de se desgastar demais, de preservar o personagem antes que o roteiro desandasse.
Desde 2013, quando chegou ao STF, Barroso encenou o papel do reformador. Prometeu refundar a República, dar um choque de ética na política e modernizar o Judiciário. O entusiasmo, com o tempo, virou presunção. Sua eloquência passou a soar como um espelho de vaidade. O ministro que dizia lutar por um país mais justo parecia mais empenhado em ser celebrado do que em compreender o Brasil real.
Ao longo da década em que ocupou a cadeira, Barroso votou pela terceirização irrestrita, pela reforma trabalhista e pela suspensão do piso da enfermagem. Justificou tudo em nome da responsabilidade fiscal. Mas o resultado foi outro: trabalhadores precarizados e direitos corroídos. No fim, sua ideia de modernidade sempre teve mais planilha que gente. Falava em empatia, mas votava pela austeridade. Citava Hannah Arendt, mas ignorava o cotidiano de quem sobrevive na informalidade. Sua noção de modernidade era técnica, nunca social. Queria um país eficiente, não necessariamente justo. O Brasil que ele sonhava era uma abstração: uma república de meritocratas, bem-intencionados e ilustrados, que governariam pelo exemplo e pelas boas maneiras.
Ao anunciar aposentadoria antecipada, Barroso confirma o traço central de sua trajetória: brilho retórico, coragem escassa e apego ao próprio reflexo
Barroso acreditou na Lava Jato até o limite da ingenuidade. Transformou o combate à corrupção em religião cívica, e demorou a perceber que o moralismo punitivista corroía a própria Justiça. Quando a operação se desfez em abusos e delações forçadas, ele permaneceu fiel à narrativa redentora, como se palavras fossem suficientes para purificar um sistema inteiro.
Sua aposentadoria chega quando o Supremo é alvo de ataques e precisa de coesão. O ministro que tanto falou em coragem cívica, no entanto, prefere o silêncio confortável das palestras no exterior. Anuncia que vai se dedicar à literatura e à docência, e o faz com o mesmo charme de sempre — só que agora, de malas prontas. É uma saída polida, revestida de elegância e covardia em partes iguais.
O ex-ministro parece farto de ser amado e odiado em igual medida. Quer distância do ruído, dos embates, das pressões. Quer ser aplaudido sem precisar decidir. Mas a história não é generosa com os que fogem antes do fim. A saída de Barroso será lembrada como a de um protagonista que abandona o palco antes do ato final — e, ao fazê-lo, transforma o drama institucional em comédia de vaidades.
Barroso sai, e o Brasil segue. Suas decisões continuarão afetando a vida de milhões. Lá fora, será celebrado como intelectual e reformador. Aqui, ficará a lembrança do ministro das contradições: o liberal que defendeu cortes de direitos, o humanista que acreditou na punição, o professor que confundiu teoria com realidade. Foi grande nas palavras, impecável na forma e pequeno na coragem. Sai sem aplausos de quem mais precisava de suas decisões: o povo que ele dizia defender.