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O Abismo e a Beleza

por Luiz Antonio Simas
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Bordada por um cenário deslumbrante, a cidade do Rio de Janeiro foi historicamenre forjada na espoliação dos povos originários, na violência material e simbólica da escravização e nos projetos higienistas das elites contra pretos e pobres. Neste sentido, é um projeto de horror e morte.

Ao mesmo tempo, nas frestas dos projetos de aniquilação e morte, foram reconstruídos modos de vida e redes de sociabilidades, deglutidas e regurgitadas referências diversas, reencantados os territórios em terreiros, às margens, contra ou negociando com as instâncias do poder. Neste sentido, é um projeto de beleza e vida.

Talvez uma das chaves para entender a cidade é atentar para os deslocamentos constantes de seus habitantes, gerados pela diáspora africana, pela presença de ciganos, judeus e portugueses pobres, pela migração de nortistas e nordestinos e pelo vai que a derrubada de cortiços, as remoções de comunidades, o arrasamento de morros e a gentrificações de territórios motivou.

Vem daí, como reiteradamente afirmo, a percepção de que o caldo de cultura da cidade é temperado pelo embate entre o corpo e a morte, o encanto e o desencanto, o confinamento e a rua.

Nem o paraíso da Cidade Maravilhosa, nem o inferno que reúne todas as mazelas possíveis e imagináveis. A Divina Comédia carioca também não mora no purgatório, em que a salvação e a danação dependem da justiça divina. A cidade do Rio de Janeiro é uma encruzilhada que desconcerta sonhos de pureza, utopias rebeldes, delírios higienistas, identidades cordatas, aspirações de ordem e impulsos de desordem. Mais enigma que solução, mais nublada do que solar, ela pulsa nas artimanhas cotidianas do comum, entre balas traçantes, repiques do samba, louvores de pastores, pontos de macumba, sirenes, choros descompassados.

Complexa, como todas as grandes aglomerações urbanas e inapreensivel: é assim que a cidade acorda debruçada no abismo e cumpre a sina de ter que insistir, enquanto arde no inferno, na força da vida.

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