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Por Cleber Lourenço
O governo Lula intensificou nas últimas horas a articulação política para impedir a votação do PL Antifacção nesta semana. O projeto, relatado pelo deputado Guilherme Derrite (PP-SP), segue sob forte resistência dentro do Ministério da Justiça e da Segurança Pública e entre técnicos da área de inteligência.
Integrantes da articulação política afirmam que há preocupação no Palácio do Planalto com o rumo da proposta, classificada como um retrocesso grave no modelo de combate ao crime organizado.
O secretário nacional de Assuntos Legislativos do MJSP, Marivaldo Pereira, foi categórico ao dizer que o texto é um “verdadeiro retrocesso” e que “prejudica o combate às formações criminosas e enfraquece o financiamento da Polícia Federal”.
Segundo ele, Derrite “continua atacando a PF, ainda que por outros meios” e demonstra “um profundo desconhecimento das dinâmicas atuais do crime organizado”.
“O governo é contra esse projeto e contra a forma açodada e desesperada com que se tenta votar algo tão sensível, especialmente num momento em que a maioria dos deputados nem está em Brasília”, disse.
Marivaldo disse ainda que a Secretaria de Relações Institucionais trabalha para evitar que o texto seja votado nesta semana, abrindo uma nova rodada de discussões com especialistas e órgãos de segurança.
Recursos financeiros prejudicados
O ponto mais sensível do relatório é a mudança na destinação dos bens apreendidos de facções criminosas, que atinge diretamente o financiamento da Polícia Federal. Hoje, o produto dessas apreensões alimenta fundos federais como o Funad (Fundo Nacional Antidrogas), o Funapol (Fundo da Polícia Federal) e o Funpen (Fundo Penitenciário Nacional).
Esses fundos garantem recursos permanentes para ações de inteligência, reaparelhamento, capacitação e integração das forças de segurança. O texto de Derrite, no entanto, transfere essas receitas para fundos estaduais e distritais, o que, segundo o secretário, esvazia as fontes federais e prejudica o funcionamento da PF.
Marivaldo alerta que essa alteração desestrutura o sistema de financiamento da segurança pública federal, comprometendo operações complexas e o planejamento estratégico da PF.
“O modelo atual foi construído para manter uma base estável de recursos, protegendo a PF de contingenciamentos e permitindo continuidade de investigações de longo prazo. Ao retirar esses recursos e repassá-los aos estados, o relatório quebra essa estrutura e enfraquece a PF”, afirmou.
Impacto na autonomia da PF
Para ele, o impacto da mudança vai além da questão orçamentária:
“É o coração das operações nacionais que fica comprometido. Os fundos federais garantem autonomia técnica e padronização. O que Derrite faz é transformar o combate ao crime num mosaico descoordenado, com cada estado agindo por conta própria, sem estratégia comum.”
O secretário acrescenta que o relatório ignora completamente a Lei de Organizações Criminosas, base normativa do enfrentamento moderno às facções:
“O projeto do governo foi construído a partir de experiências concretas, como a Operação Carbono Oculto, que mostrou a eficácia da integração entre forças e da descapitalização financeira das redes criminosas. Derrite desmontou tudo isso, retirou os dispositivos que atingiam os atores com dinheiro, poder político e estrutura empresarial.”
Segundo o secretário, o risco central é a criação de um perigoso conflito de normas no direito penal, já que o texto não harmoniza as novas disposições com as leis já existentes.
Pressa na aprovação
Marivaldo destacou ainda que os relatórios vêm sendo elaborados de forma apressada e sem base técnica. “A proposta do Ministério da Justiça levou seis meses de discussão, ouvindo o Ministério Público, juristas e a Advocacia-Geral da União”.
Segundo o secretário, a proposta também prejudica os Grupos de Atuação Especial de Combate às Organizações Criminosas (Gaecos), ao subordiná-los às polícias civis, e que a parte referente ao perdimento de bens está “mal formulada”, podendo criar brechas legais que dificultem o rastreamento e a recuperação de ativos. “O relatório desmonta o principal eixo do projeto do governo, que era modernizar a legislação e atacar o núcleo econômico das facções”, disse.
“Derrite vive preso a uma lógica de segurança pública dos anos 1990, centrada em aumentar penas e prender chefões. Esse modelo já se mostrou fracassado. Hoje, o crime opera em rede, com múltiplas conexões e fontes de financiamento. Desarticular essas redes é o que importa, e o PL não tem absolutamente nada sobre isso.”
Marivaldo também ironizou a proposta: “Esse projeto devia se chamar o ‘velho marco das organizações criminosas’, porque não traz nada de novo. Ele reveste ideias ultrapassadas de um discurso populista de endurecimento penal, mas retira as ferramentas que realmente funcionam.”
Para o governo, o relatório compromete a integração entre forças federais e estaduais, reduz o orçamento da PF e dos órgãos de inteligência e esvazia a capacidade da União de coordenar políticas nacionais de segurança.
Segundo o secretário, “o enfraquecimento dos fundos federais é uma forma disfarçada de ataque à Polícia Federal”, e o Planalto tenta adiar a votação para reconstruir o texto dentro da diretriz original do governo, voltada à integração, modernização e descapitalização das facções.
A avaliação no MJSP é de que o relatório de Derrite tem mais efeito político e eleitoral do que técnico, e sua aprovação criaria novos entraves jurídicos e desarticularia anos de avanços no combate às organizações criminosas.
“A luta contra o crime hoje não depende de bravatas, mas de inteligência, rastreamento financeiro e integração entre instituições. E esse texto caminha na direção contrária de tudo isso”, concluiu Marivaldo.