Por Gabriel Gomes
O projeto de lei enviado pelo governo do estado do Rio de Janeiro, comandado por Cláudio Castro (PL), que autoriza o uso de dinheiro do Rioprevidência, fundo de aposentadoria dos servidores, para pagamento de dívidas com a União, gerou enorme preocupação e mobilização de funcionários públicos e pensionistas. Após receber 113 emendas e sob enorme protesto de funcionários do estado, a votação do projeto, que aconteceria na terça-feira (14), foi adiada para a semana que vem.
O projeto de Lei 6.035/25 autoriza o uso de royalties e participações especiais de petróleo e gás natural, destinados atualmente ao Rioprevidência, para o pagamento da dívida com a União. No ano passado, o governo já havia utilizado quase R$ 5 bilhões do fundo para quitar parte desse débito.
No dia em que a votação do projeto foi adiada, inúmeros servidores, aposentados e pensionistas do estado do Rio de Janeiro acompanharam a votação do lado de fora e dentro da Assembleia Legislativa. No plenário, as galerias ficaram cheias.
Protesto na Alerj durante discussão de projeto sobre o Rioprevidência — Foto: Reprodução/Alerj
O ICL Notícias conversou com Vinícius Zanata, presidente da Associação dos Servidores do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro (Assemperj) e do Conselho Fiscal do Fundo Único de Previdência Social – Rioprevidência. Vinícius alertou sobre os riscos do projeto, que “abre espaço para gastar mais, especialmente em um ano pré-eleitoral”.
“Isso preocupa muito, porque não há garantia de que, nos próximos anos, o estado consiga manter os pagamentos caso o valor do barril de petróleo caia, o que já é uma tendência. O Rio é responsável por cerca de 80% da produção nacional, então qualquer oscilação no preço do petróleo desestabiliza as receitas do estado e, consequentemente, a Previdência dos servidores”.
Vinícius Zanata
Leia a entrevista com Vinícius Zanata, representante dos servidores:
ICL Notícias — O que o projeto representa?
Vinicius — Esse projeto pegou os servidores de surpresa. A ideia é usar recursos que hoje sobram das participações especiais e royalties, que, por lei, são destinados a financiar o déficit atuarial e financeiro da Previdência dos servidores, que é gigantesco.
Nos últimos anos, esses recursos vinham se acumulando, formando uma reserva que era aplicada e capitalizada para tentar reduzir esse déficit. Então, quando essa medida surgiu, os servidores ficaram muito apreensivos.
A questão da aposentadoria no Rio é muito traumática. Em 2016 e 2017, houve atrasos de salários e décimos terceiros. Servidores chegaram a viver de doações. Esse trauma ainda é forte, principalmente entre aposentados e pensionistas.
Agora, com essa nova tentativa de mexer nos recursos, é natural que haja desespero entre os colegas. Na prática, essa medida cria para o governo estadual uma forma de fazer o que chamamos de “troca de fonte”.
Hoje, a dívida com a União é paga pelo Tesouro do Estado, com recursos da arrecadação normal. Com o projeto, o governo poderá usar o dinheiro do Rioprevidência para quitar essa dívida, liberando o Tesouro e abrindo espaço para mais gastos, especialmente em ano pré-eleitoral. Não é coincidência que a proposta apareça agora, às vésperas de ano de eleição.
Isso preocupa porque não há garantia de que o estado consiga manter os pagamentos nos próximos anos se o valor do barril de petróleo cair — algo que já tendência. Como o Rio responde por cerca de 80% da produção nacional, qualquer oscilação no preço desestabiliza as receitas do estado e, consequentemente, a Previdência dos servidores.
Quais são os riscos do projeto para os servidores?
É um risco muito grave. Os servidores estão se mobilizando para barrar o projeto. Já foram apresentadas mais de cem emendas, e a votação foi adiada. Estamos tentando, inclusive, por meio das emendas, evitar que o governo retire recursos essenciais para garantir os pagamentos.
No curto prazo, o impacto pode ser pequeno, mas, olhando adiante, o cenário é preocupante. A previsão de queda do preço do petróleo e a estabilização de conflitos internacionais que elevaram os valores nos últimos anos indicam menor arrecadação de royalties. Com menos receita, o estado pode precisar tirar dinheiro de outras áreas. É aí que mora o perigo.
O governo argumenta que o Tesouro é o garantidor do Rioprevidência, ou seja, sempre haverá aporte para pagar aposentados e pensionistas. Mas isso só vale enquanto as receitas estiverem altas. Se caírem, o próprio garantidor não terá como cobrir. Por isso, é fundamental manter os recursos no fundo, como reserva de liquidez, garantindo os pagamentos em tempos de dificuldade.
Acredita que a mobilização dos servidores pode barrar o projeto?
Acredito que sim. Mas é importante que os colegas da ativa entendam que essa luta é de todos. Na última manifestação, vimos muitas cabeças brancas — aposentados e pensionistas —, e poucos servidores da ativa.
Muitos pensam que aposentadoria é algo distante, mas se não defendermos esses recursos agora, quem vai sofrer lá na frente somos nós. Sem o fundo fortalecido, corremos o risco de reformas previdenciárias mais duras, com perda de direitos.
A única forma de impedir que esses erros e gestões temerárias continuem é pela mobilização dos servidores. No fim das contas, estamos falando do nosso dinheiro, da nossa previdência.
Houve alguma conversa recente com o governo ou com a Alerj?
Não. Tivemos apenas uma audiência pública convocada pela Comissão de Servidores da Alerj. O governo enviou representantes, assim como o Rioprevidência, mas o projeto não foi alterado e nenhuma sugestão foi incorporada.
Inclusive, há insatisfação dentro do próprio Rioprevidência. Como autarquia com certa independência, seus técnicos se sentiram alijados do processo. Eles têm o dever de gerir esses recursos e agora se veem sem autonomia, já que o dinheiro pode ser redirecionado.
E quanto aos investimentos do Rioprevidência — há preocupação com relação a eles, especialmente os ligados ao Banco Master?
Sou presidente do Conselho Fiscal do Rioprevidência e, até ontem, protocolamos alguns pedidos de esclarecimento. O que temos visto é que os investimentos recentes têm sido de péssima qualidade, contrariando as boas práticas de gestão de recursos previdenciários.
O fundo tem aplicado dinheiro em lugares sem justificativa técnica. O caso mais recente envolve fundos que investem em uma única ação, o que qualquer estudante de finanças sabe que é errado, pois não há diversificação. Foram cerca de R$ 150 milhões aplicados em um fundo que investe só em ações da Ambipar, empresa ligada ao Banco Master. A gestora do fundo também tem vínculos com o banco.
Essa ação já caiu cerca de 85%. É uma gestão temerária, e os órgãos de controle, como o Ministério Público e o TCE, precisam apurar possíveis irregularidades.
Ficamos numa situação delicada: não queremos que o governo tire o dinheiro do Rioprevidência para o Tesouro, mas, ao mesmo tempo, o fundo também tem feito investimentos ruins. É preciso denunciar tudo isso e cobrar transparência da diretoria. Hoje, quem parece controlar os investimentos é essa área de gestão financeira ligada ao Banco Master, que administra algo entre R$ 2,1 e R$ 2,5 bilhões.