Casa EconomiaNada a temer senão o correr da luta

Nada a temer senão o correr da luta

por Chico Alves
0 comentários
nada-a-temer-senao-o-correr-da-luta

Por Juliano Medeiros*

O título desse artigo vem da linda canção Caçador de Mim, composta por Sérgio Magrão e Luiz Carlos Sá em 1981, e interpretada pelo grande Milton Nascimento. Eram anos de luta pelo fim da Ditadura Militar: a anistia havia sido aprovada dois anos antes, o sistema bipartidário havia deixado de existir e novas legendas estavam nascendo, centrais sindicais e movimentos sociais ganhavam força.

Os anos 1980 foram a década da luta pela democracia. A abertura política foi, como previsto pelos ideólogos do regime militar, “lenta, segura e gradual”.  Tomando a anistia aos perseguidos pelo regime como marco inicial – em 1979 – e a primeira eleição direta para presidente pós-Ditadura – em 1989 – foram dez anos de muita luta, mobilização popular e resistência.

Quando muitos estavam com medo do que poderia ser aquela transição, a canção de Milton Nascimento faz um chamado: “nada a temer senão o correr da luta, nada a fazer senão esquecer o medo”. O que acontece no Brasil agora lembra aquele período. Pela primeira vez temos generais e políticos condenados por atentarem contra a democracia. Mas as forças conservadoras têm reagido, com tentativas de blindagem e anistia aos golpistas. A decisão histórica do STF de condenar Bolsonaro e seus generais é um passo importante, mas não encerra a luta para derrotar definitivamente a ameaça autoritária.

Diante disso, as manifestações contra a PEC da blindagem e a anistia, realizadas recentemente, foram decisivas para a vitória obtida no Senado Federal em relação à PEC da blindagem. Elas representaram uma demonstração de força dos setores democráticos e populares da sociedade brasileira. O fato de terem sido mais amplas, indo além dos partidos de esquerda e movimentos sociais, foi uma novidade altamente positiva. Mesmo assim, um fantasma segue rondando as esquerdas quando assunto é mobilizar as ruas.

Durante os dias que precederam as manifestações, ouvi muitas pessoas preocupadas. Gente de esquerda afirmando que criticar o Congresso Nacional era perigoso porque poderia “alimentar o sentimento antipolítica”. Amigos dizendo que as esquerdas “poderiam perder o controle sobre as manifestações”, gerando um efeito semelhante a junho de 2013. Essas preocupações refletem ao mesmo tempo a força de teorias mal compreendidas – como a tese das “revoluções coloridas” financiadas pela CIA – mas também uma visão excessivamente institucional da luta política, onde o conflito sempre deve ser resolvido em negociações de bastidores.

Há uma esquerda que realmente acredita que as mudanças serão promovidas apenas governando, sem a necessidade de mobilização popular. Uma esquerda que prefere uma sociedade desmobilizada, onde os conflitos são arbitrados pelo Estado, sem a necessidade de luta social. Isso, infelizmente, é uma realidade. Mas há uma nova geração de militantes de esquerda que não aceita renunciar às ruas. A Frente Povo Sem Medo, protagonizada pelo MTST, é principal expressão dessa esquerda. Mas também podemos mencionar movimentos feministas, de midiativismo, juventudes, movimentos de cultura e ativismo socioambiental. Novas formas de luta que ganharam protagonismo na última década.

Uma esquerda que sabe que governar é muito importante. Mas é preciso reconhecer que mudanças estruturais, num país tão injusto como o Brasil, não serão conquistadas sem mobilização popular, enfrentamento e conflito. Como diz a canção de Milton Nascimento, não há nada a temer, senão o correr da luta. E o correr da luta é sempre indeterminado; podemos vencer e podemos ser derrotados. Mas tudo depende da capacidade das forças populares de incidirem, de forma decidida, sobre os desdobramentos da história.

Agora, como em 1981, é preciso lutar para consolidar a conquista democrática representada pela condenação dos golpistas promovida pelo STF. Passar a limpo os anos de bolsonarismo no poder vai requerer uma luta permanente. Inclusive, para julgá-lo pelos crimes promovidos durante a pandemia. Sim, eu sei: lutar cansa. Ninguém em sã consciência quer passar a vida lutando. Queremos vencer. Mas para vencer é preciso lutar e ocupar as ruas. Nada a temer.

*Historiador, Cientista Político, professor convidado na FESP-SP e ex-presidente nacional do PSOL. Comenta no ICL Notícias – 2ª edição às quintas e sextas-feiras.

você pode gostar