Nesta segunda-feira (27), o vice-presidente e ministro do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, Geraldo Alckmin, concedeu entrevista exclusiva aos jornalistas do ICL Notícias — 1ª Edição.
Na conversa, que você confere na íntegra abaixo, o vice-presidente falou sobre temas como o encontro entre Lula e Donald Trump, o tarifaço imposto pelos Estados Unidos, relações comerciais com a China e o cenário político brasileiro.
Leia a íntegra
Heloísa Villela – Quero começar falando sobre o que está acontecendo na Malásia. O presidente Lula deu uma entrevista destacando os avanços de uma negociação da qual o senhor tem participado. O senhor foi escolhido como representante brasileiro para essa negociação com os Estados Unidos. O presidente Lula falou que espera rapidamente que essas tarifas e, inclusive a Lei Magnitsky, sejam retiradas dessa conversa, até para possibilitar o avanço das negociações. Era algo que muita gente esperava que acontecesse ainda ontem. Por enquanto, essa notícia não veio. Como o senhor avalia o avanço dessa negociação e o que está em jogo agora?
Geraldo Alckmin – Heloísa Villela, quero cumprimentá-la e cumprimentar a comunidade do chat, dizer da alegria e da honra de participar dessa conversa no ICL. A escritora Virgínia Wolf disse certa vez que “não há cadeado nem fechadura que possa trancar a liberdade de pensamento”. E o ICL, através do conhecimento, nos inspira a manter permanentemente a luta pela defesa da liberdade no Brasil.
Em relação ao encontro do presidente Lula com o presidente Donald Trump, acho que foi muito positivo. O diálogo se estabelece e agora se aprofunda. Vai entrar nesse debate a questão tarifária, embora o Brasil já tenha tarifas muito baixas em relação aos Estados Unidos.Dos dez produtos que eles mais exportam, oito têm tarifa zero — é o chamado “ex-tarifário” — e a tarifa média é de 2,7%.Aliás, só há três países do G20 com os quais os Estados Unidos têm superávit na balança de produtos e serviços: Reino Unido, Austrália e Brasil. Então, não tem sentido essa tarifa de “10 mais 40”.
Agora, nós vamos aprofundar o diálogo — conversas tarifárias e não tarifárias. Há muitas questões que podem ser colocadas: oportunidade de data centers no Brasil, por exemplo. É importante destacar que os Estados Unidos são o maior investidor no Brasil. Por isso, entendo que o Congresso deveria votar ainda este ano a Medida Provisória do Redata, porque isso traz segurança jurídica. Ninguém vai investir bilhões em data centers, na área de inteligência artificial, sem ter uma legislação aprovada e consolidada. O Brasil tem energia abundante e renovável, terras raras, potencial no agro — há inúmeras oportunidades de parceria com os Estados Unidos.
Heloísa Villela – Essa história chamou muita atenção. Diante do tamanho do superávit dos EUA com o Brasil, não fazia sentido essas medidas. Será que o presidente Trump não sabia disso? É viável pensar isso?
Geraldo Alckmin – Por isso o diálogo é importante. O presidente Lula sempre defendeu diálogo e negociação. Os Estados Unidos não são o maior comprador do Brasil — hoje é a China, depois a União Europeia e, em terceiro, os Estados Unidos. Mas o país é muito importante porque a China compra commodities — minério de ferro, soja, café, carne — enquanto os EUA compram produtos de valor agregado, como aviões, motores e máquinas, que são mais difíceis de substituir no mundo. O Brasil tem avançado muito no comércio exterior.
Há 13 anos o Mercosul não fazia um acordo. Em 2023, fechou com Singapura; este ano, com a EFTA, que reúne países de maior renda per capita do mundo — Suíça, Noruega, Liechtenstein e Islândia. Deve assinar até o fim do ano com a União Europeia e está caminhando com os Emirados Árabes. Há muitas oportunidades.
Leandro Demori – Presidente, o senhor acaba de voltar da Índia e trouxe mais uma possibilidade de abertura de um grande — aliás, gigantesco — mercado, de mais de um bilhão de pessoas. Essa busca por novos mercados continua independentemente da conversa com os Estados Unidos? E há previsão de uma viagem sua aos EUA para liderar as negociações sobre as tarifas?
Geraldo Alckmin – Leandro, quero cumprimentá-lo e dizer que a Índia é importantíssima. É o país mais populoso do mundo, cresce a mais de 7% ao ano em PIB e, em pouquíssimo tempo, será a terceira maior economia do planeta.
Nós estivemos lá e foram abertas muitas oportunidades. A Embraer inaugurou um escritório em Nova Délhi e assinou um acordo com a empresa Mahindra, da área industrial, para a possibilidade de produzir o KC-390. Há muita possibilidade de venda de aviões — tanto jatos comerciais quanto de defesa.
Eles também abriram o mercado para derivados de ossos na área agrícola. A Petrobras assinou contrato com uma empresa indiana para venda de 6 milhões de barris de petróleo. A Fiocruz firmou entendimento com a Biological I para vacinas e transferência de tecnologia. Havia muitos empresários brasileiros presentes e há um grande interesse.
Abrimos o visto eletrônico para negócios — todo indiano que queira vir ao Brasil a trabalho ou consultoria tem o visto imediato. A viagem foi bastante proveitosa e abriu caminho para ampliar as preferências tarifárias entre o Mercosul e a Índia. Hoje, são poucas linhas de preferência; foi criado um grupo de trabalho para, em até dez meses, ampliar esse número.
Também assinamos acordos de não bitributação e de facilitação de investimentos. Vemos com otimismo essa parceria. Comércio exterior é emprego — a empresa cresce, ganha escala e muda de patamar.O presidente Lula, diante do problema do tarifaço, anunciou:“Empresa brasileira que exportava para os Estados Unidos e perdeu mercado em razão do tarifaço terá um reintegra de 3,1% para exportar para qualquer lugar do mundo.” É uma medida que ajuda o comércio exterior.
Quanto à sua pergunta sobre uma possível ida aos Estados Unidos: depois do encontro do presidente Lula com o presidente Trump, já houve uma primeira reunião do chanceler Mauro Vieira, do secretário Márcio Elias Rosa e de outros diplomatas. Eles já deram o primeiro passo. Ainda não há uma data definida, vamos aguardar a volta do presidente para definir os próximos passos. Mas estamos otimistas — há um bom caminho pela frente para avançar.
É bom destacar que, dos 40 bilhões de dólares que o Brasil exportou para os Estados Unidos no ano passado, 42% estão fora do tarifaço — aviões, suco de laranja, celulose. 24% estão na Seção 232, que atinge o mundo todo (aço, alumínio, cobre). O que realmente atrapalha é o 34% restante, sujeito a 10+40%, que soma 50% de tarifa. Aí entram carne, café, pescado, frutas, motores, máquinas, sapatos e roupas. Não faz sentido essa alíquota — e estamos fazendo esforço para reduzi-la.
Cesar Calejon – Presidente, o senhor mencionou o multilateralismo. O presidente Lula tem falado reiteradamente sobre a necessidade de uma moeda alternativa ao dólar, que permita uma economia internacional mais equilibrada. O senhor acredita que o Brasil deve investir nessa direção?
Geraldo Alckmin – É possível avançar em alguns entendimentos regionais. Imagine que o Brasil exporte 1 bilhão para um país vizinho e ele exporte 1 bilhão para nós. Não há necessidade de converter tudo em dólar — podemos compensar valores e simplificar transações.
Mas a substituição do dólar é uma questão de longo prazo. Isso foi estabelecido há quase 80 anos, em Bretton Woods. É natural que as economias busquem entendimentos em suas próprias moedas, mas a prioridade neste momento é defender o livre comércio, o multilateralismo e fortalecer a Organização Mundial do Comércio (OMC).
Quando há livre comércio, todos ganham. Um país é mais competitivo em um setor, o outro em outro — e a sociedade se beneficia com produtos mais baratos, maior competitividade, redução de preços e geração de empregos. É uma agenda positiva.
Vivian Mesquita – Presidente, o secretário de Estado dos EUA, Marco Rubio, disse no sábado que “a longo prazo é benéfico para o Brasil nos tornar parceiro de escolha em vez da China”. A China é hoje o principal parceiro econômico do Brasil, e o presidente Xi Jinping chegou a convidar o país para participar da Nova Rota da Seda. Depois dessa fala e dos encontros recentes, como fica a relação entre Brasil, China e Estados Unidos? E o senhor acredita que as tarifas serão reduzidas ou suspensas?
Geraldo Alckmin – O Brasil não tem litígio com ninguém — o último conflito em que nos envolvemos foi há mais de 150 anos. Somos um país de paz, que se dá bem com todos e defende o interesse nacional.
Devemos ter ótimo relacionamento com a China, que cresce fortemente, e também com os Estados Unidos, o maior PIB do mundo e maior investidor no Brasil — com mais de 4 mil empresas instaladas aqui. Eu presido a COSBAN, o Conselho Sino-Brasileiro de Alto Nível, e há um diálogo permanente entre os países.
Não devemos entrar em disputas; devemos defender o multilateralismo. O Mercosul acaba de ganhar um quinto membro, a Bolívia, e amplia acordos com União Europeia, EFTA e Singapura.
Nos anos 1980, os EUA representavam 24% das exportações brasileiras; hoje são 12%. O Brasil diversificou mercados, ampliou destinos e fortaleceu parcerias. Esse é o bom caminho.
Heloísa Villela – Então, presidente, dá pra dizer que o Brasil precisa manter bons relacionamentos tanto com a China quanto com os Estados Unidos?
Geraldo Alckmin – A escolha é emprego, renda, diminuir a pobreza e fortalecer a indústria. Esse é o bom caminho. Nós estamos num país que é o quinto maior do mundo em extensão territorial — o Brasil é um continente. Enquanto a América espanhola se dividiu em vários países, o Brasil se manteve unido. Somos a sétima população do mundo e a décima maior economia global. Temos subsolo riquíssimo — petróleo, gás, nióbio, lítio, ouro, ferro — e a segunda maior reserva de terras raras do planeta.
Nossa indústria é diversificada e vai até a fabricação de aviões: a Embraer é a terceira maior empresa aeronáutica do mundo. O agronegócio é altamente competitivo e, do ponto de vista ambiental, temos a maior floresta tropical do mundo, a Amazônia, e a energia mais limpa do planeta — mais de 80% da nossa matriz elétrica é renovável. Temos também o combustível mais limpo: só o Brasil tem 30% de etanol na gasolina e 15% de biodiesel no diesel. E vamos ser protagonistas do SAF, o combustível sustentável de aviação. Só Brasil, Estados Unidos e Índia têm condições de produzi-lo para substituir o querosene convencional.
William De Lucca – Bom dia, presidente. Eu queria lhe perguntar sobre 2026 e como o que está acontecendo hoje no país, especialmente o tarifaço, pode impactar esse cenário. O senhor governou São Paulo por quatro vezes e hoje um dos principais opositores do governo Lula é o governador Tarcísio de Freitas, que tem defendido as tarifas e o presidente Donald Trump. Como o senhor avalia essa postura? E também queria comentar que seu nome tem sido lembrado para disputar o governo de São Paulo ou o Senado. O senhor já disse que está focado em ser vice-presidente, mas poderia falar sobre isso?
Geraldo Alckmin – Primeiro, em relação ao tarifaço, lamento a postura do governador de São Paulo. O estado é um dos principais prejudicados por essa medida. Não é possível aplaudir o presidente dos Estados Unidos num momento como esse. São Paulo é onde está concentrada a indústria — justamente o setor mais afetado — porque é para os EUA que exportamos mais produtos de valor agregado, e é mais difícil recolocar essa produção em outros mercados.
O Brasil é um país caro. Nossa carga tributária é de 33,5% do PIB, enquanto a da China é 22%, da Índia 20% e do México 17%. Não é fácil competir, especialmente com os países asiáticos. Por isso é lamentável defender uma medida injusta, sem sentido. Os EUA têm superávit na balança de serviços e na comercial, e tarifa zero para quase 78% dos produtos que exportam. Não há justificativa para esse aumento — ele só poderia ser usado como política regulatória.
Sobre 2026, estamos em ano ímpar, então há um século pela frente (risos). Vamos trabalhar bastante para ajudar o presidente Lula e o Brasil. O país está crescendo, a inflação caindo, o dólar recuou de R$ 6,20 para R$ 5,37, os alimentos da cesta básica ficaram mais baratos, e estamos com uma safra recorde, quase 17% maior. O clima ajudou, o preço do arroz, feijão, alho, cebola e tomate caiu, e o salário mínimo tem hoje o melhor poder aquisitivo desde 1940. Vinte e três milhões de pessoas saíram do mapa da fome. Estamos avançando — e estou muito feliz ajudando o presidente Lula, trabalhando como ministro da Indústria, Comércio e Serviços e contribuindo com esse país maravilhoso que é o Brasil.
Heloísa Villela – O senhor tem se destacado como vice-presidente e ministro, e há uma preocupação grande com a composição do Congresso, especialmente do Senado, em 2026. O nome da ministra Simone Tebet também tem sido citado como importante para essa frente ampla — inclusive se fala em uma possível ida dela para o PSB, para disputar o Senado por São Paulo com seu apoio. Isso é possível?
Geraldo Alckmin – Sou suspeito pra falar, porque tenho enorme carinho e admiração pela ministra Simone Tebet. É uma decisão que cabe a ela, mas ela tem todas as credenciais, espírito público e liderança para essas missões.
A dificuldade do Congresso é o multipartidarismo exagerado. Como dizia De Gaulle, a França era difícil de governar porque tinha muitos tipos de queijo e muitos partidos políticos. As democracias do mundo todo têm dois grandes partidos prontos para alternância no poder e outros três ou quatro que formam maioria. Com o tempo, isso tende a se reduzir — o que ajuda na governabilidade.
É preciso um esforço coletivo — Executivo, Legislativo e Judiciário — na área fiscal e econômica. A reforma tributária foi essencial. Veja que o presidente Lula, um homem do diálogo, aprovou no primeiro ano, junto com o ministro Haddad, uma reforma aguardada há mais de 30 anos. Ela deve aumentar o PIB em até 12% em 15 anos, os investimentos em 14% e as exportações em 17%, por desonerar ambos. Reformas estruturais se fazem no início do governo — e o presidente Lula acertou ao priorizá-la.
Heloísa Villela – Então, se Simone Tebet decidir sair do MDB e se filiar ao PSB, será bem-vinda?
Geraldo Alckmin – O PSB ficará honrado em recebê-la, claro — mas é uma decisão dela. Não devemos criar constrangimentos. É importante que haja reflexão e diálogo.
William De Lucca – Presidente, quero perguntar sobre outro personagem citado ontem pelo presidente Lula. O ex-presidente Jair Bolsonaro foi mencionado na coletiva sobre a reunião entre Lula e Trump. O presidente disse que conversou sobre o assunto, reafirmou que o Judiciário é um poder independente e que o Executivo brasileiro não pode interferir nesse tema. Mas ele também afirmou que Bolsonaro é coisa do passado, dizendo: “rei morto, rei posto — e Trump sabe disso. Trump detesta se associar a perdedores”. O senhor concorda que Bolsonaro já é assunto do passado?
Geraldo Alckmin – Na realidade, nós devemos sempre respeitar o resultado das eleições. Foi eleito no Brasil o presidente Lula — e quero dizer que o presidente Lula salvou a democracia brasileira. Nós ajudamos para que isso acontecesse, porque imagine: se eles perderam e tentaram dar um golpe, o que teria acontecido se tivessem vencido?
Devemos sempre respeitar aquele que foi eleito. O presidente Trump foi eleito presidente dos Estados Unidos; o presidente Lula, presidente do Brasil. É preciso trabalhar para resolver e solucionar os problemas.
Lamento que o Congresso Nacional tenha parlamentar pago com dinheiro público, fora do país, trabalhando contra o emprego e as empresas brasileiras, tentando prejudicar a economia do Brasil.
Muito obrigado pelo convite. Um fraterno abraço a todas e todos vocês.
(Transcrição: Leila Cangussu)