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Por Gabriel Gomes
Movimentos sociais lançaram, dentro da campanha “Criança não é mãe”, um abaixo-assinado online contra o PDL 3/2025, de autoria da deputada Chris Tonietto (PL/RJ) e aprovado pela Câmara dos Deputados nesta quarta-feira (5). A medida suspende a resolução nº 258 do Conanda (Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente), que estabelecia diretrizes para o acesso ao aborto legal por crianças e adolescentes. O texto segue agora para análise do Senado Federal.
A medida foi analisada em regime de urgência pela Câmara. O PDL foi aprovado por 317 votos a 111. O projeto teve parecer favorável do relator, o deputado Luiz Gastão (PSD-CE).
“Este PDL, que agora segue para o Senado, representa um ataque direto aos direitos das crianças e adolescentes, especialmente as mais vulneráveis: meninas negras, pobres e vítimas de violência dentro do próprio lar”, diz a campanha. Até às 14:40 desta quinta-feira (6), o abaixo-assinado já contava com mais de 8 mil assinaturas.
A resolução, publicada em dezembro de 2024, orientava serviços de saúde, assistência social e proteção sobre os procedimentos necessários para garantir, de forma articulada, o direito ao aborto legal para menores de idade. Entre as determinações, o Conanda previa que a criança ou adolescente deveria ser acompanhada durante todo o processo por profissionais do Sistema de Garantia de Direitos da Criança e do Adolescente e passar por um processo de escuta especializada.
O documento também estabelecia que o procedimento fosse realizado, preferencialmente, no município de residência da paciente. Caso o serviço local não estivesse disponível, a orientação era encaminhar a criança ou adolescente ao centro de saúde mais próximo com capacidade para realizar o aborto.
Aborto legal no Brasil
No Brasil, o aborto é permitido em três situações: quando a gravidez resulta de estupro, quando há risco de morte para a gestante ou em casos de anencefalia fetal. A Lei de Estupro de Vulnerável (artigo 217-A do Código Penal) considera todas as meninas menores de 14 anos como vítimas de estupro, independentemente do consentimento, garantindo assim o direito ao aborto legal.
“A proposta contida no PDL 3/2025 não traz consigo a promoção de um debate técnico ou o aprimoramento institucional. Ao contrário: desestrutura as redes de proteção, confunde profissionais, fragiliza protocolos de atendimento e expõe meninas violentadas ao abandono e ao silêncio. É um ataque direto à política pública que orienta escolas, unidades de saúde, CRAS, CREAS e Conselhos Tutelares no acolhimento de vítimas de estupro”, dizem os movimentos em nota.
“Não podemos aceitar que a Câmara dos Deputados imponha um destino tão cruel às nossas meninas. Transformar um tema de saúde pública e direitos humanos em disputa moral é fugir da responsabilidade que cabe ao Estado. Foi isto o que se assistiu na sessão plenária da Câmara dos Deputados, neste triste 5 de novembro de 2025”, completa a nota.
Vítimas de estupros no Brasil
De acordo com o Anuário Brasileiro de Segurança Pública, em 2024, o Brasil registrou o maior número de estupros da história desde que os dados começaram a ser coletados (87.545 vítimas). A maioria tem até 13 anos, são meninas, negras e vítimas de pessoas conhecidas ou da própria família.
Dados do Instituto Patrícia Galvão, em parceria com o Instituto Locomotiva, lançados em 2025, mostram que seis em cada dez brasileiros afirmam conhecer alguma menina de até 13 anos que foi vítima de estupro.
O percentual sobe para 63% quando se trata de casos envolvendo meninas e mulheres com 14 anos ou mais. As informações também revelam que cerca de 60% das meninas que sofreram violência sexual antes dos 14 anos nunca contaram a ninguém sobre o ocorrido, e apenas 27% relataram a situação a um familiar adulto.
Ministério das Mulheres demonstra preocupação com o projeto
Em nota, o Ministério das Mulheres demonstrou preocupação com o projeto. De acordo com o governo, a decisão do conselho busca garantir a aplicação de direitos já existentes em lei. “O PDL, ao anular essa orientação, cria um vácuo que dificulta o acesso dessas vítimas ao atendimento e representa um retrocesso em sua proteção”.
O Ministério das Mulheres destaca ainda que a decisão do Conanda tem relação com o “cenário alarmante” vivido no país. Entre 2013 e 2023, por exemplo, o Brasil registrou mais de 232 mil nascimentos de mães com até 14 anos. “São gestações infantis decorrente de estupro de vulnerável. Embora a lei garanta o aborto legal em casos de estupro, milhares de meninas são forçadas à maternidade anualmente”.
Os autores da proposta na Câmara dos Deputados argumentaram que a norma extrapolaria a atribuição do conselho ao dispensar a apresentação de boletim de ocorrência policial, por exemplo.
O PDL 3/2025 é criticado por especialistas e órgãos de direitos humanos por apresentar vícios constitucionais e impactar negativamente a proteção das vítimas de violência sexual, caso seja aprovado.