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Movimento para equiparar facções a organizações terroristas preocupa agentes da ABIN

por Schirlei Alves
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Por Cleber Lourenço

A movimentação política e diplomática para equiparar facções criminosas a organizações terroristas vem provocando preocupação crescente entre profissionais da área de inteligência no Brasil. Fontes que acompanham as discussões internas da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) afirmam que a proposta representa um potencial ponto de inflexão nas relações estratégicas do país, podendo fragilizar o conceito jurídico de terrorismo, abrir margem para ingerências externas e comprometer a autonomia nacional na condução da política de segurança interna.

De acordo com relatórios de circulação restrita, técnicos e analistas da Abin vêm acompanhando com atenção o avanço de iniciativas políticas que tentam incluir o crime organizado no mesmo enquadramento legal do terrorismo.

O tema voltou a ganhar força após uma proposta de encontro reservado entre o governador do Rio de Janeiro, Cláudio Castro (PL), e representantes do governo dos Estados Unidos.

Segundo interlocutores do setor, o objetivo da reunião seria discutir cooperação em segurança pública e troca de informações sobre facções criminosas, mas a articulação gerou resistência entre servidores e alertas sobre o risco de o Brasil adotar de forma indireta a doutrina americana do “narcoterrorismo”.

Governador do Rio de Janeiro, Cláudio Castro, se encontrou com representantes do governo dos Estados Unidos (Foto: Reprodução)

Risco de ingerência estrangeira

A preocupação expressa nos relatórios internos é de que a equiparação jurídica possa servir como justificativa futura para ações unilaterais de países estrangeiros, especialmente os Estados Unidos, sob o argumento de combater ameaças transnacionais.

Técnicos lembram que, durante o governo de Donald Trump, o conceito de “narcoterrorismo” foi utilizado para autorizar ataques a embarcações no Caribe e no Pacífico Oriental, e para ampliar o poder de atuação de agências militares norte-americanas fora do território dos EUA.

Nesse contexto, o Brasil, ao adotar definição semelhante, poderia ser enquadrado como incapaz de conter atividades consideradas “terroristas”, abrindo brechas para intervenções preventivas.

A análise de inteligência destaca ainda que a legislação antiterror brasileira — a Lei 13.260, de 2016 — foi concebida dentro de parâmetros internacionais clássicos, com base em motivações políticas, ideológicas ou religiosas. Já o crime organizado, tratado na Lei 12.850, de 2013, tem natureza essencialmente econômica e estrutural.

Misturar os dois conceitos, afirmam os analistas, não apenas comprometeria a precisão técnica da legislação como colocaria o país em uma posição vulnerável no cenário internacional, permitindo interpretações convenientes a interesses externos.

O debate também tem reflexos dentro do próprio governo federal. Parte dos profissionais da Abin e de órgãos parceiros, como o Itamaraty e o Ministério da Justiça, considera que qualquer mudança deve priorizar o fortalecimento das estruturas de investigação e repressão, e não a redefinição de conceitos jurídicos.

A proposta mais aceita entre os técnicos é a de incorporar à Lei de Organizações Criminosas dispositivos específicos da Lei Antiterror — como o aumento do prazo de prisão temporária, a federalização de investigações e a possibilidade de ampliar a cooperação internacional — sem alterar o conceito original de terrorismo.

Essa seria, segundo o entendimento majoritário, uma forma de aprimorar o combate às facções sem comprometer o princípio da soberania nacional.

As discussões internas também abordam os riscos diplomáticos de uma eventual reclassificação. Ao adotar a lógica de combate ao “narcoterrorismo”, o Brasil poderia ser pressionado a aceitar operações conjuntas em seu território ou cooperações que envolvessem a presença de agentes estrangeiros.

Tal possibilidade é vista como uma ameaça à segurança institucional e um precedente perigoso para a atuação de potências em território nacional.

Profissionais de inteligência ouvidos sob reserva afirmam que o caso de Cláudio Castro despertou especial atenção, pois se soma a um histórico recente de gestos políticos alinhados com a retórica de endurecimento penal e à aproximação com agências americanas de segurança.

Há o temor de que tais iniciativas, mesmo que apresentadas como ações de cooperação técnica, acabem legitimando uma mudança de paradigma jurídico com consequências profundas. Um dos analistas descreveu a proposta como uma “armadilha conceitual”, com efeitos de longo prazo sobre a autonomia estratégica do país e sobre a atuação da própria Abin.

A Intelis, entidade que representa os profissionais de inteligência do Estado brasileiro, afirmou ao ICL Notícias que “a proteção da soberania nacional exige cautela na ampliação do conceito de terrorismo. Qualquer mudança legislativa deve preservar o marco jurídico brasileiro e evitar brechas que fragilizem a autonomia do Estado.”

A manifestação reforça a avaliação predominante na comunidade de inteligência de que o debate precisa ser conduzido de forma técnica e transparente, sem ceder a pressões externas ou a agendas políticas circunstanciais.

Para os agentes ouvidos, o Brasil deve priorizar o fortalecimento de suas instituições e a integração entre as forças de segurança, mas sem abrir mão de sua soberania nem adotar doutrinas externas que confundem crime comum com terrorismo.

A avaliação predominante é que o país não pode se transformar em laboratório para políticas de segurança inspiradas em modelos de exceção usados por potências estrangeiras.

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