Por Carolina Linhares
(Folhapress) — O presidente da Câmara dos Deputados, Hugo Motta (Republicanos-PB), afirmou, nesta terça-feira (11), que um ponto inegociável do projeto antifacção, relatado por Guilherme Derrite (PP-SP), é que a Polícia Federal não perca suas prerrogativas.
Motta, o governo Lula (PT), líderes partidários e o relator negociam mais alterações no texto em busca de um consenso que permita levá-lo à votação no plenário nesta quarta-feira (12).
“A Câmara não permitirá que a Polícia Federal perca as suas prerrogativas. É um ponto inegociável”, disse Motta. O deputado ressaltou que o objetivo, pelo contrário, é fortalecer todas as polícias.
“Precisamos ser mais duros e enérgicos com os chefes das facções criminosas, mas sem permitir que haja qualquer questionamento acerca da soberania”, respondeu Motta a respeito da crítica de que alterar a Lei Antiterrorismo pode abrir brecha para intervenções externas.
Motta disse ainda que busca construir uma proposta que seja aceita na Câmara e no Senado e obtenha a sanção presidencial.
“Quero aqui reconhecer o papel do relator, deputado Derrite, de debater o tema de maneira técnica, não politizando esse assunto que é por demais importante para a nossa sociedade. […] Queremos fazer uma construção que todos os atores possam participar e, ao final, temos uma proposta equilibrada”, disse à imprensa.
Nesta terça, haverá duas reuniões com o objetivo de solucionar as principais divergências para que o texto possa ser votado ainda nesta quarta. Motta e o ministro da Justiça e Segurança Pública, Ricardo Lewandowski, se encontram na residência oficial da Câmara.
Em seguida, a expectativa é que Derrite apresente aos líderes partidários um novo texto, incorporando sugestões, inclusive as de Lewandowski. A reunião de líderes deve ocorrer até o fim da tarde.
PF mantém críticas e alerta para ilegalidades
As conversas alcançaram também o diretor-geral da Polícia Federal, Andrei Rodrigues, que teve contato com Derrite na segunda (10) por intermédio de Motta. Mesmo após alterações já feitas pelo relator, Rodrigues diz que o texto contém “inconstitucionalidades e ilegalidades”.
Segundo Rodrigues afirmou em entrevista à GloboNews, “é notório” que o relatório “limita e suprime competências” da Polícia Federal. “Isso em nenhum sentido é tolerável.”
“Só pode interessar o enfraquecimento da PF, […] o eventual congestionamento, a grande atrapalhação dos processos em andamento a quem se beneficia dessas medidas”, disse.
Além disso, o diretor-geral da PF afirmou ser contrário à equiparação de terrorismo e crime organizado, classificando-a como “nefasta”.
Da parte do governo e do PT, há dois pontos de discordância considerados prioritários, sendo um deles justamente a manutenção do poder de ação da PF. A versão incial do texto de Derrite, criticada pelo Planalto e por especialistas, submetia a atuação da Polícia Federal no combate a crimes considerados como atos de terrorismo ao aval dos governos estaduais.
O segundo ponto, segundo líderes do governo e do PT, é que medidas de endurecimento contra o crime organizado sejam incluídas na Lei das Organizações Criminosas e não na Lei Antiterrorismo, como propõe Derrite.
“A autoria desse projeto era do Poder Executivo, e o relator desfigurou o projeto. É o maior ataque da história do Brasil contra a Polícia Federal. […] Eles estão trazendo de volta todo aquele espírito da PEC da Blindagem. […] Até investigações de emendas parlamentares podem ser prejudicadas”, disse o líder do PT, Lindbergh Farias (RJ).
“Não aceitamos redução do papel da Polícia Federal. Se quiserem votar isso, derrotem o governo e assumam as consequências. Acho que as consequências serão iguais as da PEC da Blindagem. Vai emperrar no Senado, vai ter mobilização na sociedade. O outro ponto é a equiparação ao crime de terrorismo”, completou o petista.
Lindbergh ainda citou divergências em outros elementos do texto, mas que não são tidas como inegociáveis, como o conceito de facção e o trâmite para confisco de bens do crime organizado.
O líder do governo na Câmara, José Guimarães (PT-CE) disse que irá trabalhar para resolver os dois pontos prioritários.
“Estou muito empenhado na busca de um entendimento. O diálogo está ocorrendo. […] Meu papel como líder do governo é buscar um entendimento nessas horas de tensionamento. Vamos negociar com ele [Derrite] até amanhã, se for necessário a noite toda, para votarmos essa matéria”, disse.
Como mostrou a Folha de S.Paulo, o fato de Motta ter escolhido Derrite como relator do projeto antifacção, enviado pelo Planalto, contrariou o governo Lula e alimentou a disputa entre a base e a oposição no tema da segurança pública.
A exemplo de Lindbergh, deputados da esquerda passaram a associar o projeto à PEC da Blindagem, argumentando que o texto de Derrite enfraquece a atuação da PF e traz brechas para a proteção de parlamentares discurso que se amplificou nas redes sociais.
Depois do desgaste público, o esforço de aparar as arestas tem mobilizado, além do próprio presidente da Câmara, os principais aliados de Motta, líderes do governo e deputados que têm a segurança pública como bandeira. Em entrevistas à imprensa nesta terça, todos buscaram um tom conciliador e disseram que um acordo é possível.
“O texto apresentado pelo deputado Derrite não vai ser o texto que vai ser aprovado, ainda vai ser discutido e aprimorado. O processo de amadurecimento está em curso. Se houver um consenso no texto que atenda todo mundo, ele será votado amanhã”, disse o presidente da comissão da PEC da Segurança Pública, Aluisio Mendes (Republicanos-MA).
Entenda o papel da PF no PL Antifacção
Proposta do governo: A proposta do governo não previa alterações nas funções da PF, que tem entre suas competências investigações sobre crimes com repercussão em mais de um estado ou fora do país, apurações contra interesses ou patrimônio e serviços da União e o combate ao tráfico de drogas, entre outras.
O texto cita que a Polícia Federal fica responsável pela cooperação internacional e será a responsável pela articulação com instituições nacionais e estrangeiras envolvidas nas investigações.
Parecer e primeiro texto: No parecer sobre o projeto, Derrite excluía a Polícia Federal e o Ministério Público de investigações sobre crimes praticados por facções criminosas, milícias e grupos paramilitares. Os agentes, segundo a primeira versão do substitutivo, poderiam atuar de forma cooperada apenas após provocação dos governadores dos estados, em ações conjuntas com as polícias estaduais.
Segunda versão do substitutivo: Já numa segunda versão, o deputado modificou a proposta. Além de cooperar com as investigações estaduais a partir de pedido formal do delegado ou do Ministério Público, a PF poderia agir por iniciativa própria contra facções, desde que fizesse uma comunicação prévia ao estado. Os processos continuariam a correr na Justiça Estadual.