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Ministro critica presidente do STM por pedir perdão por ditadura

por Felipe Rabioglio
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Por Cleber Lourenço

O gesto inédito da ministra Maria Elizabeth Rocha, presidente do Superior Tribunal Militar (STM), ao pedir perdão pelos erros cometidos pelas Forças Armadas durante a ditadura civil-militar (1964–1985), provocou forte repercussão e expôs uma fissura dentro da própria Justiça Militar.

Em um discurso considerado histórico, Maria Elizabeth reconheceu que o STM foi conivente com perseguições políticas e violações de direitos humanos, defendendo que a instituição “precisa se reconciliar com o povo brasileiro”. Sua fala foi descrita por juristas e historiadores como um marco na lenta e ainda inconclusa revisão da participação militar no período autoritário.

Poucos dias depois, o ministro Carlos Augusto Amaral Oliveira, tenente-brigadeiro do ar, reagiu publicamente em tom de repreensão no STM. Durante uma cerimônia na Academia da Força Aérea, em Pirassununga (SP), ele declarou: “As Forças Armadas não pedem perdão por nada, porque não têm do que se envergonhar. Cumprimos missões determinadas pela Constituição e pelo povo brasileiro”. Em outro momento, Amaral afirmou que “a história mostrará que a atuação das Forças Armadas sempre foi guiada pela legalidade e pela defesa da pátria”.

As declarações, recebidas com aplausos por parte da plateia militar foram interpretadas como uma tentativa de reafirmar a velha narrativa de que os militares, ao cometerem crimes em série, apenas “cumpriram seu dever constitucional”. O episódio reacendeu o debate sobre a resistência das Forças Armadas em reconhecer seu papel na repressão e nas violações cometidas sob o regime de exceção.

Veja o vídeo do STM

A declaração de Amaral, no STM, recoloca a instituição no centro de um debate que o país evita enfrentar: o da responsabilidade institucional pelos crimes cometidos durante a ditadura. Ao rejeitar o gesto de autocrítica da presidente do STM, o ministro reforça a visão de que o Exército, a Marinha e a Aeronáutica seriam imunes ao julgamento histórico, como se o perdão fosse uma ameaça à honra militar. Para estudiosos do tema, essa recusa evidencia o quanto a cultura de impunidade ainda permeia o imaginário das Forças e impede que o Brasil avance na construção de uma memória coletiva pautada pela verdade.

O discurso de Amaral também carrega um peso político. Ao insistir que não há motivo para arrependimentos, ele resgata a retórica usada durante o regime militar, que apresentava o golpe de 1964 como um ato de “salvação nacional” e de “defesa da democracia”. Essa versão, reiterada por setores conservadores das Forças, tenta apagar da história as prisões ilegais, os desaparecimentos e as sessões de tortura que marcaram o período. Ao invocar o orgulho institucional como escudo, Amaral se insere na tradição dos que negam a violência estatal e relativizam a ditadura como se fosse um mal necessário.

Enquanto Amaral fala em orgulho, Maria Elizabeth Rocha fala em responsabilidade. Sua manifestação foi o primeiro pedido público de perdão feito por uma autoridade da Justiça Militar desde a redemocratização. Ela afirmou que “reconhecer os erros do passado é uma forma de impedir que se repitam”, e defendeu que o STM deve contribuir para o fortalecimento da democracia e para o respeito irrestrito aos direitos humanos. O contraste entre as duas posições — a do arrependimento e a da negação — revela o conflito interno entre duas concepções de Forças Armadas: uma que busca reconstruir a confiança da sociedade civil e outra que insiste em preservar a narrativa de heroísmo e impunidade.

A fala do ministro Carlos Amaral também teve impacto político fora dos muros do STM. Parlamentares, juristas e entidades de direitos humanos criticaram o tom revisionista do pronunciamento. Para a Comissão de Anistia, a recusa em reconhecer os abusos cometidos durante a ditadura representa um retrocesso institucional e moral. A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) divulgou nota ressaltando que “a reconciliação com o passado só é possível quando há reconhecimento dos erros e compromisso com a verdade histórica”. Já entre militares da reserva, o pronunciamento foi recebido como um gesto de reafirmação da identidade corporativa.

Ao atacar um gesto de reconciliação, o ministro Carlos Amaral reabre uma ferida que o Brasil nunca tratou por completo. A transição democrática brasileira foi marcada pelo silêncio institucional e pela ausência de punição aos responsáveis pelas violações do regime. Quase quarenta anos depois, o país ainda convive com a negação e com a resistência de parte das Forças Armadas em admitir responsabilidades. Em vez de contribuir para um debate maduro sobre memória e justiça, a fala de Amaral reafirma o isolamento das Forças Armadas e reforça a ideia de que uma parte da instituição continua presa ao passado — incapaz de reconhecer que o verdadeiro patriotismo se mede pela coragem de encarar a própria história.

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