Casa EconomiaMilei recebe ajuda de Trump, mas cenário político continua difícil para o governo

Milei recebe ajuda de Trump, mas cenário político continua difícil para o governo

por Chico Alves
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Por Maíra Vasconcelos (de Buenos Aires)*

O jogo eleitoreiro de Javier Milei foi posto em prática. É apenas uma questão de tempo para que seja oficializado o apoio financeiro do governo do presidente Donald Trump à Argentina, já confirmado pelo secretário do Tesouro dos Estados Unidos, Scott Bessent, em seu perfil na rede social X. Diante da proximidade das eleições legislativas de meio de mandato, marcadas para o final de outubro, o presidente argentino pediu socorro em estado de alerta vermelho aos cofres do Tesouro estadunidense, após uma reviravolta político-econômica no país.

Uma sequência de derrotas no Congresso em assuntos primordiais, como saúde e educação, a disparada do dólar, o risco país em igual escalada, e o Banco Central perdendo cifras milionárias em reservas. Cenário que, no mínimo, deixou o plano econômico do governo em uma encruzilhada. Somado, ainda, à derrota acachapante nas eleições legislativas da Província de Buenos Aires, no último 7 de setembro, quando o peronismo ganhou por mais de 13 pontos de diferença, e ao escândalo de corrupção envolvendo a irmã e secretária-geral da Presidência, Karina Milei.

A combinação desses fatos, acontecidos em menos de um mês, jogou o governo Milei em sua maior crise, e, sem dúvida, de frente ao abismo. No entanto, ao menos no que diz respeito a tentar salvar as eleições e o seu plano econômico, o presidente reagiu rapidamente e o Tesouro dos Estados Unidos respondeu com um sinal positivo para uma injeção de dólares no país, pagamento de dívidas, além de uma linha de swap (financiamento com troca de moeda) ao Banco Central, de US$ 20 bilhões.

Milei esteve em Nova York por ocasião da Assembleia-Geral da ONU, e, durante reunião bilateral com Trump, recebeu do ultradireitista elogios e apoio irrestritos ao seu governo, “um líder fantástico e poderoso”. O ministro da Economia, Luis Caputo, se mostrou eufórico com o encontro entre os mandatários, qualificando-o como algo “histórico”.

“Como declarou o presidente Trump, estamos prontos para fazer o que for necessário para apoiar a Argentina e o povo argentino”. Essa foi a mensagem de Scott Bessent, na rede social X, um dia após a reunião entre Milei e Trump, e a confirmação do menu de possibilidades de entrada de dólares ao país. O mercado respondeu como se esperava, o dólar e o risco país apresentaram uma queda abrupta, bastante favorável ao governo.

Milei e Trump, no encontro nos EUA. Foto: AFP

As amarras das novas forças no Congresso

No entanto, as debilidades políticas para formação de alianças no Congresso estão expostas como nunca antes, nesses quase dois anos de mandato. Com a fragilidade de um partido que tenta se conformar como tal, enquanto governa. A configuração das forças políticas no Congresso tem mudado radicalmente nos últimos dias.

O governo perdeu por 181 votos, ou seja, 75% dos deputados votaram contra o veto presidencial à lei de emergência pediátrica. No mesmo dia, perdeu por 174 votos a favor e 67 contra, o veto à lei de financiamento universitário. Um dia após ambas as votações, 59 senadores, que são 83% dos presentes, disseram não ao veto à lei de distribuição automática das Contribuições do Tesouro Nacional (ATN, sigla em espanhol). Três derrotas seguidas, em menos de 48 horas, diante de um Congresso que parece afirmar que, de agora em diante, a decisão sobre as áreas que sofrerão ou não ajustes terá que passar pelo crivo das duas Câmaras.

Mesmo que essa crise não necessariamente defina o pleito, e considerando a debandada que tem sofrido de apoios parlamentares, tampouco a vitória bastaria para que Milei e sua equipe respirem aliviados com a cabeça fora d’água. Simplesmente, o governo não tem saída para a atual crise, disse sem pestanejar o cientista político argentino Martín Armelino, pesquisador do Conselho Nacional de Investigações Científicas e Técnicas (CONICET). É uma crise da qual, dificilmente, o governo poderá se salvar.

“O governo não tem maioria parlamentar, aliás, está longe disso, e tem perdido de maneira bastante vertiginosa os apoios que tinha no Parlamento. Tanto Senadores como Deputados, decidem levar adiante uma nova dinâmica de jogo em que o poder Executivo não pode governar por decreto”, disse Armelino, professor da Escola de Política e Governo da UNSAM (Universidade Nacional de San Martín).

Mesmo que permitido pela Constituição, o uso permanente de decretos é considerado danoso ao sistema democrático. Por essa e outras razões, o governo Milei é tido como o mais autoritário, e também com um discurso inédito de violência, ao menos, desde a recuperação democrática na Argentina. Outro aspecto da truculência como política de governo, é o uso desmedido da força policial em manifestações de rua, dirigido pela ministra da Defesa, Patricia Bullrich. Desde que Milei assumiu já foram registrados 2.395 manifestantes feridos e 277 detidos pela polícia.

Mas no que diz respeito à recente crise, os irmãos Milei se encontram com problemas de base. Além da retirada contundente de apoio no Congresso, precisam fazer com que o partido “A liberdade avança” conquiste territorialidade, penetre nas províncias. Quer dizer, primeiro Milei chegou ao poder, vindo de ser um excêntrico comentarista televisivo, e, enquanto governa, tenta consolidar uma força política em nível nacional. Mas como presidente afirma ter chegado ao poder para fazer outra coisa, e não política. Delega essa tarefa à sua irmã e secretária-geral da Presidência, Karina Milei, que tem viajado o país para construir contatos e alianças.

Protestos de rua contra o governo Milei. Foto: AFP

Governo argentino encurralado no Parlamento

“Milei chegou à presidência sem conhecer o país e muitas das províncias que o votaram. Sua irmã tem ido província por província, fez alguns contatos com velhos caudilhos, e, sobretudo, velhos armadores políticos locais. Que são dos partidos do peronismo e do radicalismo, que constróem também por fora, sempre há quem esteja disponível a se juntar a um novo projeto. Mas isso não é construir um novo partido, ou que isso possibilite criar um novo partido e que se sustente no tempo”, explicou o politólogo argentino Martín Armelino.

Além de estar encurralado pela situação político-partidária no Parlamento, ainda circula no debate público o escândalo de corrupção que envolve diretamente Karina Milei em um esquema de propina que renderia até US$ 800 mil dólares por mês, relacionado à compra de medicamentos destinados à Agência Nacional de Deficiências (ANDIS). O ex-diretor do órgão, Diego Spagnuolo, a quem estão sendo atribuídos os áudios vazados, foi afastado do cargo após o caso vir à tona. E como se sabe a corrupção é considerada, de longe, um dos assuntos mais sensíveis à opinião pública na hora de avaliar um governo ou governante. Vale acrescentar que a imagem positiva do presidente e de seu governo está em queda, roçando os números mais baixos desde o início do mandato, chegando a 39%, quando já foi superior a 50%.

Apesar do cenário ainda instável, a contenção ou não do dólar dita o rumo político-econômico na Argentina, historicamente. Mesmo com o “visto bueno” do Tesouro dos Estados Unidos para buscar alternativas para cobrir as reservas em dólares que o país não tem, a pergunta agora é até quando esse fluxo de dólares resolverá os problemas do país.

Se as palavras histriônicas de apoio de Trump a Milei e a injeção de dólares na Argentina serão capazes de evitar a debacle, até há pouco anunciada, de um governo com afinidaden às suas políticas radicais e violentas, não se sabe — até que os dias e as urnas o confirmem ou não. Mas também é provável que seja apenas um tampão de curto prazo. E, logo após o pleito, a gestão libertária poderia voltar a lidar com as travas no Congresso e demais problemas domésticos. Até agora, o que se tem, é a união de esforços e de apoio financeiro entre as extremas direitas globais posta em jogo e em linha direta entre a Casa Rosada e a Casa Branca.

*Especial para o ICL Notícias

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