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Lula ‘ressuscita’ mandato e enfrenta a crise de representatividade ao retomar pautas de esquerda

por Laura Kotscho
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Por Cleber Lourenço

A recuperação da popularidade de Lula não veio apenas das trapalhadas de Eduardo Bolsonaro nos Estados Unidos. O que explica a virada é a decisão de reposicionar o governo no campo da esquerda, recuperando uma linguagem social e política voltada ao trabalhador. Em um país marcado por uma crise prolongada de representatividade, esse movimento reabre um canal entre o governo e a sociedade — algo que havia se perdido nos primeiros meses de gestão.

A crise de representatividade é, hoje, um dos principais sintomas da exaustão das democracias liberais. No Brasil, ela se manifesta no descrédito com o Congresso, nos partidos sem identidade e em uma elite política que parece falar apenas para si. O eleitor olha para Brasília e não se reconhece. As instituições perdem legitimidade, o voto vira formalidade, e a distância entre o poder e o cotidiano da maioria só aumenta. É nesse vazio que florescem o cinismo político e a sensação de que “nada muda”.

Desde 2024, pesquisas sobre confiança institucional mostram o tamanho do abismo: partidos e Parlamento aparecem entre as instituições menos confiáveis do país, bem atrás das igrejas e das Forças Armadas. O dado reforça o quanto a política perdeu o vínculo com a vida real. O cidadão comum, sufocado por inflação, transporte caro e serviços precários, não vê nos políticos um reflexo de suas demandas. Essa desconexão é o solo fértil da desinformação e da antipolítica.

Lula decidiu enfrentar essa crise fazendo o que poucos governos têm coragem de fazer: tomar um lado. Nos últimos meses, sua gestão adotou medidas que recolocaram o governo no eixo do trabalho e da renda, deixando claro que há um projeto político em disputa. Três decisões recentes simbolizam essa guinada:

  1. A isenção do Imposto de Renda até R$ 5 mil. Após anos de defasagem da tabela, o governo escolheu aliviar o peso sobre quem vive de salário e cobrar mais de quem lucra com dividendos e aplicações financeiras. A medida é mais que econômica — é simbólica. Reafirma o compromisso com a justiça fiscal e recoloca o Estado ao lado da maioria trabalhadora.
  2. O veto ao aumento de cadeiras na Câmara. Ao barrar a ampliação do número de deputados, o governo sinalizou contenção diante dos excessos corporativos. Foi um gesto raro de resistência ao fisiologismo, transmitindo a ideia de que responsabilidade fiscal também é política — e que não há espaço para ampliar privilégios enquanto faltam recursos para serviços públicos.
  3. A resistência à PEC da Blindagem. Vista como tentativa de autoproteção da classe política, a proposta limita a atuação do Judiciário sobre parlamentares. Ao se opor a ela, o Planalto se alinhou ao sentimento popular de repúdio à impunidade e mostrou sintonia com o desejo de igualdade perante a lei.

Esses três movimentos ajudaram a reconstruir o eixo moral do governo. A mensagem é compreensível: menos privilégios para poucos, mais alívio para muitos. Não se trata apenas de ajustar políticas públicas, mas de reposicionar o discurso político — fazer o Estado voltar a olhar para baixo, e não para dentro.

Os efeitos já aparecem nas pesquisas. Depois do pior momento de 2025, a aprovação de Lula subiu de forma constante. O crescimento é mais expressivo entre mulheres, trabalhadores de baixa renda e nas regiões populares. São justamente os grupos mais afetados pela falta de representação e os primeiros a reagir quando a política parece, enfim, falar sua língua.

O impacto dessa guinada vai além dos números. Em democracias cansadas, a falta de clareza ideológica cobra caro. Quando tudo parece igual, o eleitor se desliga e abre espaço para o antipolítico. Ao retomar pautas de esquerda e enfrentar privilégios, Lula devolve à política seu papel original: representar. Essa nitidez, mais do que popularidade, devolve à política a capacidade de inspirar confiança.

Ainda há desafios. O cenário econômico pressiona, a governabilidade segue dependente de um Congresso fragmentado e as expectativas sociais continuam altas. Mas, no plano simbólico, a direção é nítida: reconectar a política com quem trabalha, devolver sentido à representação e mostrar que o governo pode ser voz da maioria.

A melhora nas pesquisas não é acaso nem resultado das confusões da oposição. É fruto de uma escolha política deliberada. Lula entendeu que não basta administrar: é preciso representar. E, ao retomar pautas de esquerda e reconstruir pontes com sua base social, o presidente faz algo raro em democracias em crise — devolve à política o poder de falar por quem nunca é ouvido.

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