O telefonema de ontem do autocrata americano, Donald Trump, para o presidente brasileiro, Lula, para que conversassem sobre a possível suspensão das sanções tarifárias injustificáveis e injustas impostas ao Brasil, foi o ponto de virada mais recente no script sob o comando genial do ex-sindicalista metalúrgico nascido em Pernambuco, fugido da fome do agreste meridional e forjado na resistência do ABC paulista.
Não havia boi na linha algum. Quaisquer messias do apocalipse que tenham tentado se interpor entre os dois foram chutados para longe. Quem se vergou primeiro para dizer “preciso conversar” foi Trump. A experiência pragmática de Lula vencia ali, naquele vergar de coluna vertebral, mais uma rodada no cassino da política internacional.
Tão logo se encerrou o telefonema, o diabólico (numa licença metafórica para dar à palavra uma acepção que a transcende, um olhar benevolente) chefe de Estado brasileiro determinou aos subordinados que o acompanhavam – Geraldo Alckmin, o vice-presidente e ministro do Desenvolvimento Industrial; Mauro Vieira, chanceler; Fernando Haddad, ministro da Fazenda e Sidônio Palmeira, Secretário de Comunicação – que não cabiam versões analíticas sobre o fato.
A única versão, oficial e sintética, sairia numa nota distribuída pela Secom da Presidência. E ela foi até mais recatada do que o tuíte assinado pelo proto-ditador dos EUA.
Trump, que não tomou conhecido do bode “Bolsonaro” posto na sala de situação das relações diplomáticas bilaterais há meses, vislumbrou que sua nação fraturada e o Brasil de Lula farão muitos bons negócios adiante. Punto y basta, como dizem os espanhóis quando precisam enfatizar o que desejam expor.
Lula venceu a batalha diplomática contra Donald Trump. O Brasil dobrou a Casa Branca emparedada por sua desastrosa inflexibilidade interna e externa. Os vaticínios desairosos sobre o futuro do país se revelaram desarrozoados, sem sentido. O velhinho que habita o Palácio da Alvorada e dá expediente no Planalto deixou claro, mais uma vez, que não é mero espectro do que já foi. Ele ainda é. Ainda atua. Ainda protagoniza.
As trajetórias de nossos ex-presidentes
Dois estão em regime de prisão domiciliar. Um, cumprindo sentença em Maceió. O outro, aguardando o início do cumprimento da pena em regime fechado. Mas esse último está em cana porque há risco de tentativa de fuga.
O mais velho deles, 95 anos, converteu-se em plácido e interessante “influencer” da terceira idade. Dia sim, outro também, posta vídeos curtos no Instagram com reminiscências dos tempos em que teve o poder.
Há aquele que luta contra a escalada implacável das senilidades e o apagamento da memória outrora prodigiosa, sarcástica e muito necessária ao país.
A única mulher do grupo se dedica a reescrever a própria trajetória como líder de governança de um banco internacional de fomento dedicado a reequilibrar o desenvolvimento regional no mundo.
Por fim, o derradeiro dos seis ex-presidentes vivos do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, está mergulhado na intensa reescrita do roteiro de sua biografia absolutamente singular.
Deixa os fracassomaníacos de direita indignados e os de esquerda, perplexos: quem o via fadado a desistir de disputar um quarto mandato nas urnas porque teria sido repelido pelos eleitores tradicionais, assiste-o a se constituir como o símbolo mais genuíno do amadurecimento institucional brasileiro.
O coadjuvante que tentou entrar nessa contabilidade de ex-presidentes vivos e suas trajetórias únicas não possui legitimidade para figurar na presente lista. Seguirá como vice decorativo nos rodapés dos livros de História do Brasil.
Conversa com Trump desorientou oposição a Lula
Na teleconversa (não é mais apropriado falar em telefonema entre presidentes, uma vez que eles usam o aparato de videoconferências), Trump deixou nas entrelinhas esperar uma caminhada conjunta com o Brasil porque o plano estapafúrdio de dominar o mundo e subjugar seu próprio povo a uma doutrina neo-fascista fadada ao fracasso… fracassou.
As fraturas sociais e mesmo geopolíticas nos Estados Unidos conflagrados pela perseguição aos imigrantes e pelo cancelamento de programas sociais instituídos pelos governos democratas de Barack Obama e de Jor Biden estão expostas na superfície e ameaçam até a coesão territorial do país.
A crise de liderança externa dos EUA, sobretudo entre as nações que se beneficiavam da cortina de proteção da OTAN, é ameaçadoramente visível e já se converteu no maior risco para a paz mundial desde o conflito dos mísseis soviéticos em Cuba, em 1962.
Tendo se jactado na campanha eleitoral de usufruir de “ótima relação” com Vladimir Putin, o que sempre foi mentira, ou de ter coragem para enfrentar o líder chinês Xi Jinping, outra fake news, caiu a ficha de Donald Trump: ele estava só no mundo, agarrado a dois maluquetes brasileiros, Eduardo Bolsonaro e Paulo Figueiredo.
A dupla de extremistas delirantes que lhe foi apresentada por Marco Rubio, igualmente desmiolado como os cucarachas de estimação. Aí caiu um raio de racionalidade no americano e ele resolveu fazer o caminho de volta aos trilhos da História, caso estejam desimpedidos. Foi por isso que Trump acionou seu novo amigo do sul, Luiz Inácio Lula da Silva, o último dos estadistas cujas biografias começaram a ser escritas no século XX e seguem atuantes nesse fim de primeiro quarto do século XXI.
Serão ouvidos ecos da conversa de ontem em Roma, nos próximos dias, e na Indonésia, onde o autocrata americano e o presidente brasileiro irão se encontrar no fim desse mês. O diálogo entre os dois se deu por iniciativa de Trump, polo derrotado no jogo diplomático-tarifário a que se lançaram há alguns meses. Lula está vestido de crupiê nesse cassino e tem todas as manhas da função.