Por Cleber Lourenço
A decisão do presidente da Câmara dos Deputados, Hugo Motta, de liberar o parecer do deputado Guilherme Derrite (PP-SP) sobre o projeto de lei Antifacção foi recebida no Palácio do Planalto como um golpe político em plena semana da COP 30.
Com parte da base governista fora de Brasília e a atenção concentrada na cúpula climática, o Planalto foi surpreendido pela movimentação que tirou das mãos do governo o controle sobre uma de suas principais pautas de segurança pública. Integrantes da articulação política afirmam que Motta “traiu entendimentos” firmados com o Executivo, que previa adiar o debate até o fim da conferência.
Com a liberação do parecer, o texto passou a carregar a marca de Derrite, aliado de Tarcísio de Freitas e expoente do bolsonarismo. O relator transformou o projeto do governo em um pacote de segurança de linha dura, incorporando dispositivos da Lei Antiterrorismo, elevando penas, ampliando conceitos e rebatizando a proposta como marco de combate ao crime organizado. Para o Planalto, o gesto de Motta entregou o protagonismo da pauta à oposição e fragilizou a base aliada.
Nos bastidores, o sentimento é de indignação. Um membro da articulação resumiu: “Ele (Motta) alegou que não deixou avançar o antiterror pra pautar esse, mas no relatório Derrite faz justamente essa adaptação”. Outro definiu o gesto como “faca nas costas”, lembrando que o governo esperava uma trégua enquanto coordenava a conferência climática. Deputados da base avaliam que a manobra esvaziou a liderança do Executivo no tema e deu à direita o discurso de autoridade no combate ao crime.
A presidente do PT, Gleisi Hoffmann, afirmou em entrevista à GloboNews ter alertado Motta sobre o impacto da decisão:
“Conversei com Hugo Motta e falei que não seria bom, que soaria como desrespeito ao governo, ao próprio presidente, porque era um projeto do governo”. A fala reforçou o incômodo do Planalto com o gesto do presidente da Câmara, interpretado como tentativa de autonomia política em relação ao Executivo.
O senador Lindbergh Farias (PT-RJ) também reagiu, chamando o parecer de Derrite de “nova versão da PEC da blindagem ou PEC da bandidagem”.
Para ele, “o objetivo é tirar força da Polícia Federal, que só poderia atuar contra organizações criminosas mediante provocação do governador do Estado”. A crítica ganhou eco entre ministros e parlamentares governistas, que veem na proposta riscos à autonomia da PF e uma inversão do papel da União na segurança pública.
O desconforto com o relator é generalizado. Ex-secretário de Segurança de São Paulo e nome de confiança de Tarcísio, Derrite propôs penas de até 40 anos, inclusão de atos de facções e milícias na Lei Antiterrorismo, bloqueio de bens e internação obrigatória de líderes em presídios federais.
O texto ampliou também a possibilidade de intervenção judicial em empresas ligadas a organizações criminosas. No Planalto, há o temor de que o endurecimento das regras seja usado como palanque político por adversários do governo.
Um assessor do Planalto resume o clima:
“Motta jogou o governo para a defensiva, e Derrite colheu o palco político”. Para aliados próximos, a decisão da Câmara expõe uma Câmara mais autônoma e disposta a testar limites, abrindo espaço para que outros temas sensíveis, como o pacote fiscal e a reforma das forças de segurança, sigam o mesmo caminho. No Planalto, a leitura é unânime: o governo perdeu o controle do PL antifacção, e a oposição transformou a pauta em vitrine eleitoral.