Casa EconomiaKAKAY: Retrato de uma chacina: somos todos cúmplices!

KAKAY: Retrato de uma chacina: somos todos cúmplices!

por Chico Alves
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Por Antônio Carlos de Almeida Castro, Kakay*

“ A Justiça é como uma serpente, só morde os pés descalços.”

Eduardo Galeano

Até a leitura dos números da chacina do Rio de Janeiro tem um viés ideológico ou revela uma visão humanista ou de barbárie por parte de quem faz os títulos e o conteúdo das matérias. Eu, por exemplo, chamo de chacina, a grande mídia chama de megaoperação. E alguns ainda têm a coragem de dizer que foi um sucesso, numa ode às mortes.

O governo do Rio afirma que 117 suspeitos foram mortos. Parece óbvio que não se pode matar “suspeitos”, salvo em legítima defesa.

As matérias estampam que:78 tinham histórico criminal!

Opa, o título tinha que ser: 39 pessoas foram assassinadas sem nenhum histórico criminal!! Um massacre! Um crime a céu aberto! Uma chacina !

Os jornais estampam: 42 tinham mandados de prisão pendentes!

Opa! O título correto sem uma visão punitiva e que apoia a barbárie teria que ser: 72 cidadãos sem mandado de prisão foram mortos numa operação programada para prender suspeitos com mandados de prisão!

E, claro, as manchetes deveriam ressaltar que o local dos assassinatos não foi preservado. Falam em apreensão de 92 fuzis. Com quem? Não vi um registro, uma foto, uma comprovação que diga que o fuzil número tal estava de posse do morto tal. Não haverá como investigar . O local do crime foi criminosamente adulterado.

O ministro Flávio Dino, que é duro em matéria penal, mas é sério, alerta sobre a necessidade de preservar a “qualidade da prova.” E ressalta o artigo 6º do CPP:

“Logo que tiver conhecimento da prática da infração penal , a autoridade policial deverá:


I- dirigir-se ao local , providenciar para que não se alterem o estado e conservação das coisas, até a chegada dos peritos criminais.”

O que se viu foi uma destruição criminosa das provas. Os familiares e amigos tiveram que retirar os corpos e os levaram para serem amontoados no meio da rua. Claro que seria pueril querer que as pessoas que participaram do massacre fossem preservar provas que poderiam ser usadas contra eles.

E merece uma investigação — que não vai dar em nada — o estranho fato de que nenhum dos mortos na chacina consta na denúncia do Ministério Público do Rio de Janeiro, que foi a origem da operação, planejada, dizem, durante um ano.Ou seja, dos 69 réus que constavam da denúncia, e que originou 48 mandados de prisão, nenhum está entre os assassinados ou presos.

Ou seja, nas chacinas não há mesmo nenhum balizamento jurídico ou preocupação humanitária. É a violência da barbárie.

Triste e cruel a frase do comandante da chacina, o governador Cláudio Castro, que afirmou logo após a matança, sem sequer saber que inúmeros inocentes tinham sido executados, tiros na nuca como prova de execução, “só tivemos quatro vítimas!” Se referindo aos quatro policiais infelizmente mortos, como se os 117 outros não fossem seres humanos, sujeitos de direito, com famílias e amigos.

E lembrando Mia Couto em homenagem aos familiares que foram assassinados- sim eram pessoas humanas com família e amigos: “ a saudade é uma tatuagem na alma. Só nos livramos dela perdendo um pedaço de nós.”

*Advogado

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