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Por Catarina Duarte e Paulo Batistella – Ponte Jornalismo
O soldado da Polícia Militar de São Paulo (PM-SP) Vinicius de Lima Britto foi condenado nesta quinta-feira (9/10) por homicídio culposo em razão de ter matado o jovem negro Gabriel Renan da Silva Soares, de 26 anos — que é sobrinho do rapper Eduardo Taddeo, ex-Facção Central. O crime ocorreu em março deste ano na porta de uma unidade do mercado Oxxo, no Jardim Prudência, zona sul de São Paulo.
Gabriel foi baleado com 11 tiros, inclusive no rosto, em uma ação que começou quando o jovem ainda estava de costas. O episódio foi gravado pelas câmeras de segurança. Os jurados do Tribunal do Júri realizado no Fórum Criminal da Barra Funda, em São Paulo, entenderam, ainda assim, que o policial não agiu com dolo, ou seja, com intenção de matar.
O entendimento foi de que Vinicius “agiu de forma imprudente ao disparar em direção à vítima como forma de repelir sua aproximação”.
O PM foi condenado a dois anos, um mês e 27 dias de detenção. A juíza Viviane de Carvalho Singulane fixou o cumprimento da pena em regime inicial semiaberto. Vinicius recebeu então um alvará de soltura na ocasião do julgamento, por estar preso preventivamente até então.
Réu será expulso da PM
Também foi determinada a expulsão de Vinicius da Polícia Militar. Ele ainda terá de indenizar em R$ 100 mil a família de Gabriel, que lamentou o fato de o júri não ter reconhecido o dolo na ação do réu. Os familiares também viram intimidação de outros policiais que estiveram presentes na sala de audiência.
“Ele ficou preso por apenas dez meses, mas ao menos ele foi expulso da PM. Com essa condenação, talvez a gente tenha evitado que ele venha a matar mais pessoas se valendo do cargo de policial. Se ele volta para a corporação com essa condenação, ele mataria muito mais”, disse, à Ponte, a advogada Fátima Taddeo, que é tia de Gabriel e atuou como assistente de acusação no caso.
Vinicius havia sido denunciado por homicídio qualificado pelo motivo fútil, perigo comum e recurso que dificultou a defesa da vítima. A juíza que conduziu o júri concedeu uma atenuante, que compensou em parte a primeira das qualificadoras, devido ao réu ter confessado que matou mesmo Gabriel.
Policiais intimidaram testemunha para prejudicar acusação
Na ocasião do assassinato, Gabriel tentou furtar produtos de limpeza da unidade do Oxxo, sem interagir com qualquer pessoa. Imagens da câmera de segurança do mercado mostraram que ele foi atingido quando estava de costas, ao tentar sair da loja. Diferente do que afirmou o policial em depoimento, o jovem não fez menção de estar armado.
Um funcionário do mercado contou em audiência de instrução ter sido intimidado por policiais à paisana que estiveram no local após o crime. “Olha, você sabe que a gente salvou vocês, né (…) porque era mais um aí que estava furtando, então você sabe o que aconteceu, pode até não estar armado, mas poderia estar”, teriam dito os policiais. O funcionário disse ter se sentido pressionado e coagido, e admitiu ter prestado depoimento “não totalmente verdadeiro” à Polícia Civil diante do medo.
Na mesma fase processual, ele também afirmou que em nenhum momento Gabriel recebeu voz de parada ou foi avisado de que estava diante de um policial. Segundo o relato, o jovem não fez menção de estar armado.
Também em audiência de instrução, o soldado Vinicius declarou que entende ter ultrapassado o limite de contenção em um crime patrimonial ao efetuar tantos disparos, mas disse que fora treinado para proteger e acreditou estar em risco de morte por pensar que Gabriel estava armado.
Gabriel tentava se livrar da dependência química
Gabriel foi morto faltando poucos dias para o aniversário de 27 anos. Em entrevista à Ponte à época do crime, Fátima Taddeo contou que ele era dependente químico e se esforçava para abandonar o vício na droga K. “É uma droga muito difícil. A abstinência é dolorosa”, disse.
Também na época do crime, Eduardo Taddeo publicou um vídeo no Instagram em que se mostrou indignado, lamentando a morte. “Mais um jovem preto, mais um jovem da periferia exterminado”, afirmou o artista. “Mais uma vez vai ser absolvido, mais uma vez vai ser legítima defesa.”
Gabriel foi enterrado no Cemitério Campo Grande, na Vila São Pedro, zona sul da capital.