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Por Paulo Batistella – Ponte Jornalismo
A segurança pública está entre as principais preocupações da juventude do Brasil, faixa etária na qual o tema aparece sob disputa e protagoniza percepções contraditórias. Entre os jovens brasileiros, há uma alta adesão a pautas punitivistas, como o aumento de penas e a redução da maioridade penal — ao mesmo tempo em que medidas estruturais, como o controle de armas de fogo e a melhor formação dos agentes públicos, também têm sua importância reconhecida.
Esse é o panorama identificado pelo estudo Juventudes: Um Desafio Pendente, lançado pela fundação Friedrich Ebert Stiftung (FES Brasil) na última semana. A pesquisa é baseada em um questionário aplicado a cerca de 22 mil pessoas com idades entre 15 e 35 anos no Brasil e em outros 13 países da América Latina e do Caribe. O levantamento também colheu impressões dos jovens da região sobre a democracia, as demandas sociais, a confiança nas instituições e a sua participação política.
“A análise das percepções das juventudes brasileiras sobre os principais problemas do país, o papel do Estado e as prioridades para as políticas públicas revela uma geração marcada por fortes preocupações sociais, sobretudo com a pobreza, a insegurança e o desemprego”, relatam os autores do estudo. 27% dos jovens no país colocam a segurança entre as prioridades a serem tratadas por políticas públicas. Trata-se do terceiro tema mais citado pela juventude brasileira, atrás apenas da preocupação com a geração de empregos (55%) e com iniciativas de bem-estar social (46%).
Já entre os principais problemas que desafiam o país na visão dos jovens, o crime organizado (34%) e a insegurança (29%) aparecem entre os cinco primeiros — ficam atrás apenas da pobreza e da falta de acesso a direitos (61%), do consumo de drogas (45%) e da corrupção (35%). A violência policial (9%) é o oitavo flagelo mais citado. O estudo mostra, ainda, que a insegurança é um problema mais alardeado pela juventude rica (35% nas classes altas contra 25% nas baixas). Já as jovens mulheres priorizam mais do que os homens as desigualdades do país, como pobreza, desemprego e falta de acesso a direitos de saúde e educação (65% ante 57%).
Percepções contraditórias sobre soluções para a segurança
No campo da segurança pública, quase sete de cada dez jovens (69%) defendem que penas mais rigorosas reduziriam a criminalidade (35% concordam totalmente com isso e 34% apenas concordam). Uma mesma parcela da juventude brasileira (70%) entende que crianças e adolescentes deveriam ser julgados como adultos por atos infracionais. Para a FES, os indicadores preocupam, mas são menores do que a adesão da população em geral a essas pautas. “A Pesquisa Datafolha de 2019 aponta que 84% das pessoas que responderam à pesquisa eram favoráveis à redução da maioridade penal de 18 para 16 anos, 14% eram contrários e 2% indiferentes.”
A pesquisa ainda identificou que mais da metade dos jovens brasileiros (51%) entende que o acesso e o uso de armas pela população civil aumenta a violência. A maioria (64%) também está de acordo que a formação e valorização dos agentes de segurança pública poderia diminuir a violência. Quase quatro em cada dez jovens (38%) entendem que militares e agentes da segurança pública não deveriam atuar na política. Outros 34% são indiferentes a isso, e 27% só não concordam com o veto.
Além disso, são minoria (41%) os que concordam que a conduta de criminosos justifique uma ação violenta por parte das polícias. Já a descriminalização das drogas é um tema relativo à segurança pública com índices mais próximos entre as diferentes opiniões: 32% concordam que essa medida reduziria a violência e a criminalidade, enquanto 28% são indiferentes e outros 40% discordam.
Os autores do estudo ainda destacam que, para várias dessas questões sobre segurança, houve uma taxa elevada de indiferença. Ou seja, apesar da grande preocupação com o tema, há um aparente distanciamento crítico ou mesmo falta de aprofundamento no debate público.
Jovens negros confiam menos nas polícias e na democracia
A pesquisa também traz recortes raciais dentro do campo da segurança pública. Entre jovens negros, 36% demonstram uma confiança baixa ou muito baixa nas polícias, enquanto o índice é de 30% entre brancos. A descrença na Justiça também é maior entre pretos e pardos: 35% dedicam uma confiança alta ou muito alta a ela, ao passo que esse indicador entre jovens brancos é de 39%.
“Historicamente, jovens pretos e pardos estão mais expostos a situações de violência policial, o que contribui para uma percepção mais negativa da polícia”, contextualizam os autores do estudo. “Da mesma forma, a disparidade de confiança no sistema judicial reflete a experiência desses jovens com este sistema que, ao longo do tempo, tem sido marcado por julgamentos mais severos e taxas de encarceramento desproporcionalmente altas para pessoas negras.”
O levantamento também identificou que, entre jovens negros, a democracia é vista como um sistema de governo preferível a qualquer outro por 64%. Entre a juventude branca, essa visão positiva alcança 71%. Para os autores da pesquisa, o racismo estrutural no país resulta não apenas em menos oportunidades, mas também na ideia de que a democracia seria ineficaz para resolver os problemas da juventude negra. Um exemplo disso é que apenas 29% dos jovens pretos e 32% dos pardos têm empregos estáveis, enquanto entre brancos isso está em 45%.
“É importante também assinalar que o Brasil tem uma história política marcada por golpes promovidos pela direita, e essa ideia de que a democracia não é capaz de garantir a vida da população permanece presente entre todos, incluindo as juventudes”, argumentam os autores.
Juventude quer Estado democrático e que garanta direitos
A pesquisa ainda traz mais indicadores sobre percepções políticas dos jovens brasileiros. Quatro em cada dez (40%) não tem ou tem pouco interesse em política, com maior engajamento entre classes mais altas. A participação em sindicatos, movimentos sociais e partidos políticos é baixíssima, sendo que mais da metade dos jovens (59%) não participa de organização alguma.
No espectro ideológico, uma maior parte (44%) se identifica com o centro, enquanto 38% se dizem alinhados à direita e outros 18%, à esquerda. Entre as mulheres, a identificação com a esquerda é maior do que entre homens (20% ante 16%). “Essa diferença se reflete em opiniões sobre diversos temas, que indicam uma tendência das mulheres jovens a se distanciarem mais de visões conservadoras e de direita e a expressarem visões mais progressistas em relação a temas sociais e políticos.”
Cerca de dois em cada dez jovens (19%) não militam por causa alguma, mas gostariam de fazer isso, o que, segundo a FES, revela um potencial de mobilização. As principais causas que têm adesão são a defesa da família (26%), o meio ambiente (22%), os direitos das juventudes (15%), movimentos antirracistas (13%) e feminismo (12%).
“Apesar das divisões ideológicas, o estudo aponta para uma convergência em pautas progressistas, como taxação de grandes fortunas, regulamentação de mídias e combate às desigualdades. A defesa de um Estado democrático e inclusivo, capaz de garantir direitos básicos como educação e saúde, é um consenso entre jovens de diferentes espectros políticos”, escrevem os autores.
Para a FES, uma agenda voltada aos jovens, que devem ser reconhecidos como sujeitos políticos plenos, precisa incorporar mudanças estruturais. “É indispensável promover valores democráticos e responder a posições extremistas contrárias aos direitos humanos, por meio de debates integradores, garantia da liberdade de expressão e estímulo à participação social em diferentes espaços institucionais e comunitários.”