Índice
Dividido entre o “Consórcio da Paz“, estabelecido com governadores de direita para tomar a agenda da segurança pública, e entre as rachaduras do bolsonarismo que tomam conta do debate eleitoral em Santa Catarina, Jorginho Mello conseguiu se envolver em uma nova polêmica. O governador do Estado anunciou a construção de “bunkers” nas escolas públicas como estratégia de prevenção às cada vez mais comuns catástrofes climáticas em Santa Catarina.
A medida teve rápida repercussão. O anúncio foi feito por Jorginho no Instagram, sem explicar de onde partira a proposta. Ele gravou o vídeo diante dos escombros da Escola Estadual Jacob Maran, em Dionísio Cerqueira, onde um tornado provocou destruição enquanto crianças lanchavam, na última sexta-feira.
A deputada estadual, Luciane Carminatti (PT), presidente da Comissão de Educação da Assembleia Legislativa, reagiu rapidamente, com um vídeo que teve efeito viral.
“Não tem laje de cobertura nas escolas. Essa escola, de Dionísio, tem um ginásio, salas de aula e não tem laje. Aí nós vamos fazer um bunker. Eu quero saber como vai funcionar isso”, disse, no vídeo. Ela também questionou como a proposta seria aplicada em escolas com mil alunos, por exemplo.
Apesar de já ter uma estratégia de marketing desenhada, o governo parece não ter respostas. A reportagem enviou cinco perguntas sobre o projeto, questionando também se não seria mais prudente cancelar ou suspender aulas em momentos de alertas, mas a secretaria de Educação não respondeu.
Não há referências para projeto
Um texto de divulgação disponível no site institucional, entretanto, diz que Jorginho aposta em “salas seguras, provavelmente em áreas úteis do colégio, mas com estrutura reforçada contra tornado e chuva forte”. A ideia é instalar os bunkers em unidades que já estejam sob reformas ou intervenções estruturais.
Além do impacto orçamentário e do aumento nos contratos das empreiteiras já responsáveis por outras obras, o projeto levanta dúvidas técnicas. Não há, no portal de compras do governo federal e nem no Diário Oficial de Santa Catarina, nenhuma referência para a construção de “bunkers” em escolas. As estruturas costumam ser mais comuns, no setor público, na área da saúde, em salas com aceleradores lineares para tratamento de radioterapia.
Deputada denunciou decisão equivocada
“Se existe o alerta é para que os gestores tomem uma decisão e garantam a proteção das pessoas. A regional da Secretaria de Educação não tomou atitude alguma. Poderia ter acontecido uma tragédia já que o espaço onde estavam os estudantes foi totalmente destruído. Graças aos professores que tiraram as crianças a tempo e as abrigam embaixo de carteiras, ninguém ficou ferido”.
A preocupação foi compartilhada com a reportagem pela deputada Luciane Carminatti após a destruição na escola em Dionísio Cerqueira.
Ela lembrou que, desde o início da semana em que aconteceu o tornado, a Defesa Civil do Estado emitira alerta da gravidade da previsão. Disse, ainda, que a medida a ser adotada deveria ter sido a suspensão das aulas.
Apesar disso, poucas horas depois da ocorrência, o plano de marketing do “bunker” já estava nas ruas. Além do vídeo do Instagram de Jorginho, a secretária de Educação, Luciane Ceretta, escolheu estrategicamente falar a veículos da sua região eleitoral sobre a proposta.
Em Criciúma, anunciou o bunker em duas escolas da cidade e disse que o projeto seria chamado “Programa Salas Seguras”.
Crossover com o Consórcio da Guerra
A estratégia se alinha ao insistente mote do governador Jorginho Mello em pautar a segurança pública em todas as oportunidades. O vídeo em que surge heróico sob os escombros da escola divide atenção no feed do Instagram com outros de combate ao crime organizado, críticas ao governo federal e até divulgação de números de usuários de maconha abordados pela Polícia em lugares públicos.
A ideia de construir “bunkers” também adere à estética de militarização, algo que já é recorrente no projeto de educação pública do Estado. Jorginho manteve a política de expansão das escolas cívico-militares, mesmo com o fim da proposta instituída pelo governo Jair Bolsonaro em nível federal.
A Polícia Militar de Santa Catarina (PMSC) também começou, em fevereiro deste ano, o Escola Mais Segura, projeto para “garantir maior segurança nas instituições de ensino do estado”. O programa ampliou a presença de policiais militares sob a justificativa de “reduzir aspectos potencialmente causadores de perturbação da ordem pública no âmbito dos estabelecimentos de ensino”.
Além da presença ostensiva anunciada efusivamente no início do ano letivo, o programa promove a capacitação da comunidade escolar, com treinamentos baseados no protocolo “Fugir, Esconder e Lutar” (FEL), vendida pela PM como “abordagem eficaz para emergências”.
Sem detalhar a proposta de construção de bunker nas escolas, Jorginho Mello também escondeu, com a medida de marketing, a realidade sobre problemas estruturais presentes na rede.
Em 2024, segundo dados coletados pelo mandato da deputada Carminatti no Anuário Brasileiro da Educação Básica, 44,7% das escolas catarinenses não tinham biblioteca ou sala de leitura, 62,4% não tinham sala de informática, 88,4% não tinham laboratório de ciências e 51,9% não apresentavam quadra esportiva.