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Jequitibá do samba

por Luiz Antonio Simas
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Uma escola de samba não existe porque desfila; ela desfila porque existe. A formação das primeiras escolas de samba, na década de 1920, insere-se no processo de construção inventiva de sociabilidades negras e modos de vida nas décadas seguintes à abolição da escravidão.

O que seria, por exemplo, do morro da Mangueira sem a quase centenária escola de samba? Certa feita, Cartola foi indagado sobre de onde vinha. Em se tratando da parte africana da família, era impossível dizer. Teriam sido os antepassados de Cartola moçambiques, congos, nagôs, axantis, fons? Falavam quicongo, quimbundo, iorubá?

O fato é que Cartola recebeu a indagação e respondeu de imediato; da Estação Primeira de Mangueira. Nesta simples resposta percebemos que Mangueira ocupava para ele, e para tantos, o espaço de fundamento da identidade, do pertencimento, da rede de proteção social e da construção de sociabilidades urbanas em um país projetado, como estado-nação, para excluir as populações não brancas de seu processo civilizatório.

De certa forma, a cidadania negada pelo poder instituído era exercida na escola de samba. Se por cidadania podemos entender algo que ultrapasse barreiras institucionais, e se inscreva nas formas de vivenciar e interagir com a cidade, ampliando a dimensão política do que é ser um cidadão, podemos afirmar que Mangueira, para o morro, tem exatamente essa função política e existencial: garantir experiências de interação e conexão com o território e a comunidade.

Escola que cantou a abolição, questionou os limites da Lei Áurea, saudou o século do samba, exaltou Villa-Lobos, clamou por um Brasil que se chama Dandara, falou dos mistérios do Maranhão, homenageou Caymmi, Braguinha, Tom, Chico e Bethânia, falou da fé e da formação do povo brasileiro e cantará em 2026 a Amazônia negra do xamã babalaô Mestre Sacaca, Mangueira foi e vai muito além disso: não é escola que existe porque desfila; é daquelas agremiações que desfilam porque existem. Não desfila imbuída da cultura do evento, já que seus desfiles são eventos da cultura.

Tudo isso é política em sua concepção mais ampla. Aristóteles dizia que quanto mais uma coisa é comum a um maior número, menos cuidado recebe do poder público. A antipolítica, para o grego, se manifesta quando cada um preocupa-se sobretudo com o que é seu, se despreocupando do bem comum. A política, por sua vez, tem como objetivo principal fortalecer os laços entre os membros da cidade. É exatamente isso que a Estação Primeira de Mangueira faz, há quase cem anos, na sua comunidade, no Rio de Janeiro e no país.

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