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Itamaraty vê risco diplomático em projeto que equipara facções a terrorismo

por Schirlei Alves
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Por Cleber Lourenço

O ICL Notícias teve acesso a um documento reservado do Ministério das Relações Exteriores (MRE) que avalia o Projeto de Lei 1.283/2025, proposta que altera a Lei Antiterrorismo para classificar facções criminosas e milícias como organizações terroristas.

O parecer interno, de circulação restrita entre diplomatas e assessores jurídicos, recomenda posição contrária à medida e alerta para consequências jurídicas, diplomáticas e econômicas graves.

A posição do Itamaraty ganha reforço dentro do próprio governo. O secretário Nacional de Assuntos Legislativos do Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP), Marivaldo Pereira, também criticou a iniciativa e afirmou que equiparar facções a organizações terroristas não trará nenhum ganho real no combate ao crime.

“A equiparação de organizações criminosas a organizações terroristas não vai contribuir em nada para melhorar a repressão ou a persecução penal a essas organizações. Nada, nada que tenha na lei do terrorismo ou que possa ser acrescentado na lei antiterrorismo, não há nada que não possa ser acrescentado na lei de organizações criminosas”, afirmou.

Palácio Itamaraty

Posição do Itamaraty

Segundo o parecer do MRE, a aprovação do PL “romperia com a arquitetura jurídica construída após os atentados de 11 de setembro”, que distingue o crime organizado transnacional, regido pela Convenção de Palermo, das práticas terroristas, reguladas por tratados e resoluções específicas da ONU e do Conselho de Segurança.

O documento sustenta que o texto do projeto coloca o Brasil em desacordo com normas internacionais e pode gerar reações externas que afetem diretamente a política externa e a economia. “A equiparação de facções a terrorismo desalinha o país dos padrões multilaterais e compromete compromissos já assumidos no âmbito da ONU”, diz um dos trechos.

Principais pontos levantados pelo documento

A análise obtida pelo ICL Notícias elenca, em tópicos, os riscos e impactos que o Itamaraty identifica caso a proposta avance:

  • Risco de sanções e retaliações internacionais: parceiros podem adotar medidas extraterritoriais contra brasileiros, como bloqueio de bens, restrições financeiras e revisão de acordos de cooperação.
  • Insegurança jurídica: a Lei Antiterrorismo exige motivações ideológicas ou políticas, ausentes nas facções criminosas, o que abre margem para questionamentos de inconstitucionalidade e brechas de interpretação.
  • Sobrecarga judicial: o projeto gera disputa de competência entre a Justiça Federal e a Estadual e complexifica investigações.
  • Impacto econômico: amplia obrigações de compliance e aumenta o risco-país, podendo afetar o fluxo de investimentos e comércio exterior.
  • Desalinhamento diplomático: ao misturar crime organizado e terrorismo, o Brasil perde previsibilidade jurídica e credibilidade internacional em fóruns como GAFILAT e ONU.

Na mesma linha do Itamaraty, o secretário Marivaldo Pereira destacou que a proposta não aprimora os instrumentos legais de repressão e ainda ameaça a soberania nacional. Segundo ele, a legislação brasileira já possui ferramentas eficazes no combate às facções criminosas.

“A lei de organizações criminosas é a espinha dorsal para o combate, inclusive, às organizações terroristas”, explicou, lembrando que a própria Lei Antiterrorismo remete expressamente à Lei de Organizações Criminosas ao prever o uso de técnicas especiais de investigação, como colaboração premiada, infiltração e interceptação.

Marivaldo ressaltou que o governo federal já enviou ao Congresso um projeto de lei específico de combate às facções, que endurece as penas, acelera os trâmites processuais e facilita a apreensão de bens.

“Esse é o caminho para o enfrentamento sério e correto das organizações criminosas, e não tentar equipará-las às organizações terroristas sob o pretexto de legitimar uma interferência indevida de outro país na soberania nacional”, disse. Para ele, a proposta em debate “lembra muito o que aconteceu durante o chamado ‘tarifaço’, que tanto prejuízo trouxe ao país. Não podemos deixar que isso se repita agora pela perspectiva penal”.

Consequências práticas

O parecer do MRE alerta que, além das implicações jurídicas, o PL prejudicaria a cooperação internacional no combate ao crime. “Ao confundir os marcos de Palermo e do contraterrorismo, o Brasil cria ruído com países que compartilham informações de inteligência e segurança”, diz o texto. A análise cita o exemplo do México, que enfrentou forte resistência dos Estados Unidos ao discutir a classificação de cartéis como grupos terroristas — episódio que terminou em impasse diplomático.

O documento destaca que não há ganhos práticos comprovados ao ampliar o conceito de terrorismo, mas há riscos concretos de reação negativa do sistema financeiro global e de organismos multilaterais. “Medidas dessa natureza podem provocar desconfiança sobre os mecanismos de controle do país e restringir seu acesso a operações internacionais de crédito e financiamento”, alerta o Itamaraty.

Alternativas sugeridas

Como caminho alternativo, o MRE recomenda aperfeiçoar a Lei de Organizações Criminosas (Lei 12.850/2013), criando agravantes e qualificadoras específicas para ataques a agentes públicos, sabotagem de infraestrutura crítica e domínio territorial por facções. Essa estratégia, segundo o parecer, mantém o alinhamento internacional e fortalece a repressão sem alterar o conceito jurídico de terrorismo.

O parecer diplomático e a análise do MJSP convergem: o PL 1.283/2025 é politicamente arriscado, juridicamente frágil e diplomáticamente contraproducente. O Itamaraty afirma que sua aprovação poderia isolar o Brasil internacionalmente, enquanto o MJSP alerta que ela abre brechas para ingerências estrangeiras e viola a soberania nacional. Em tom categórico, Marivaldo Pereira resume: “Não é equiparando facções a terroristas que o Brasil vai resolver seu problema de segurança pública. É fortalecendo suas instituições e protegendo sua autonomia.”

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