Em coletiva realizada na noite desta quinta-feira (30), no Rio de Janeiro, ao lado de outros governadores bolsonaristas, Jorginho Mello foi adjetivado de marqueteiro por Cláudio Castro. Foi dele a ideia de dar o nome de “Consórcio da Paz” a uma proposta pouco clara sobre como unir estados no combate ao crime organizado.
Você sabe que chegou em Santa Catarina quando se depara com algum outdoor com propaganda de Jorginho Mello. A celebração do “estado mais seguro do país” e da “melhor polícia do país” foi alvo de uma campanha massiva em 2024, que estreou no intervalo do Fantástico e fez parte do investimento de mais de R$110 milhões do executivo com publicidade, em múltiplas ações.
Em meados de outubro, o governador participou de um evento inusitado: o lançamento de uma novela portuguesa, com cenas gravadas em cidades catarinenses. A Secretaria de Turismo investiu R$2 milhões no marketing e roteirizou duas, entre sete cenas, em que a figura do policial criava um clima de segurança. A justificativa para o investimento é atrair turistas portugueses para “o estado mais seguro do país”.
No início de setembro, às vésperas do evento pró-anistia que comandou no estado, o governador publicou um vídeo no Instagram com a chamada “armamento pesado, sim”. A ideia foi justificar investimento em equipamentos caros importados de Israel e reforçar o discurso de segurança e cerco à criminalidade. Segundo a última edição do Anuário Brasileiro de Segurança Pública, Santa Catarina tem a segunda menor taxa de mortes violentas do país.
Para o professor e pesquisador da Universidade da Fronteira Sul, Felipe Mattos Monteiro, para pensar Santa Catarina num contexto mais elaborado do que seus indicadores, é preciso acionar elementos históricos e também da sua configuração geográfica.
“Se a gente olhar para o tamanho dos municípios de Santa Catarina, a gente vai ver que os maiores, tanto Florianópolis, quanto Joinville, não alcançam o tamanho da população de outros municípios em estados como o Rio Grande do Sul, por exemplo”.
O tamanho das capitais, comparativamente, também é relevante para se pensar em um estado seguro e com indicadores sociais mais estáveis. “Não digo que esses municípios menores não têm problemas estruturais e urbanos muito pesados, mas muitos desses problemas que aparecem em outros estados são reduzidos em Santa Catarina também por conta dessa configuração geográfica”, disse.
O pesquisador ainda fala de um contexto nacional, geral, de redução de criminalidade, que pode ter como causa a reorganização do crime organizado e também o período da pandemia. Ele pontua que, internamente, as taxas de homicídio no Estado têm indicadores que devem ser tratados de forma crítica, como o feminicídio e a mortalidade entre pessoas pretas e pardas.
Desequilíbrio orçamentário
O contrato de compra de armamento de Israel foi assinado no dia 11 de setembro, quando a população de Gaza já havia sido dizimada pelo exército de Benjamin Netanyahu. Um deles, de US$659 mil ou R$3,5 milhões, veio do Fundo de Melhoria da Polícia Civil e prevê também um treinamento para uma equipe de armeiros para a utilização das 300 CARABINA IWI ARAD 5 em calibre 5,56 X 45MM. O outro destina R$1,2 milhões para a compra de 50 fuzis ARAD 7.
Para Monteiro, a ênfase no uso das armas de fogo pode ser considerada uma narrativa política, já que indicadores que relacionam a circulação de armas com a criminalidade indicam que o armamentismo possui efeito contrário: ao invés de prevenir, aumenta o número de homicídios. “A explicação para redução das taxas de homicídio em Santa Catarina está em vários lugares, menos na política armamentista”.
A Polícia Militar também investiu em novas armas, mas a situação orçamentária parece diversa. Apesar de ter um fundo maior, a rubrica de modernização conta com R$28 milhões. Para efeitos comparativos, a rubrica de “redução da criminalidade” da Polícia Civil, que comprou os fuzis israelenses, tem R$41milhões disponíveis. Mesmo com os recursos mais escassos, em 2024, a PM abandonou um projeto que custou R$3 milhões em 2019: o das câmeras corporais.
Com o argumento de que ia pesquisar novas alternativas tecnológicas, o estado foi cobrado quanto à medida, pioneira no Brasil e hoje na contramão da tendência. No final de setembro, recebeu um prazo de 90 dias para se manifestar à Justiça sobre o tema. No ano passado, já havia perdido uma ação sobre um excesso cometido por um PM. A sentença foi taxativa: as imagens teriam sido fundamentais para esclarecer o ocorrido.
Oficiais bem pagos e praças com carreira travada
Por trás do outdoor de “Estado mais seguro” e de “Polícia mais segura”, o governo bolsonarista produz outra contradição: Jorginho Mello se diz defensor da atividade policial, mas ergueu um muro entre os praças e os oficiais.
Enquanto um oficial inicia a carreira com salário de R$19.440, esta é a remuneração de um praça em fim de carreira. O abismo aumenta quando se observa o plano de carreira das categorias: enquanto o oficialato sobe os degraus naturalmente, com base no tempo, os praças precisam fazer concursos, com vagas reduzidas e testes competitivos.
Estes testes, pela alta concorrência, fizeram surgir os cursinhos. Em um deles um dos oficiais de carreira que integra a comissão de reformulação da carreira atua como professor. “Esse cenário revela um sistema interno marcado por conflito de interesses, controle hierárquico desmedido e uma cultura institucional que favorece o privilégio e a perpetuação de poder dos oficiais”, disse um militar, sob condição de anonimato.
A chacina que aconteceu no Rio de Janeiro também traz medo e instabilidade a profissionais da categoria. Na quarta-feira, o governador Jorginho Mello prestou solidariedade aos agentes de segurança mortos na operação, mas também ofereceu ajuda ao estado que convive com o crime organizado.
A página do PL-SC no Instagram publicou uma imagem do governador, com a postura ereta e um perfil altivo, aplicada sobre policiais fardados. O texto reforçava que Santa Catarina estava “em ação pelo Brasil”. Na legenda, críticas ao presidente Lula e uma frase: “com a melhor segurança pública do Brasil, estamos prontos para combater a criminalidade”.
 
			        