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Por Paulo Batistella — Ponte Jornalismo
Um jovem negro de 20 anos foi morto a tiros pela Polícia Militar do Paraná (PM-PR) dentro de casa na favela do Parolin, em Curitiba, na manhã de terça-feira (7/10). A vítima do caso, Yago Gabriel Pires de Oliveira, dormia em um sofá junto do irmão mais novo, de apenas nove anos, quando os policiais chegaram ao local, o levaram para uma área externa do imóvel e o mataram.
O imóvel de dois andares no qual Yago vivia reúne três moradias, divididas entre familiares, incluindo oito crianças, e um galpão onde parte deles trabalha com reciclagem, como é o caso da própria vítima. Os policiais militares chegaram ao local pouco antes das 6h, com um mandado de busca e apreensão em mãos. Ao entrarem no imóvel, sem declararem o motivo, passaram a perguntar o nome de cada morador, até subirem por uma escada ao segundo andar e renderem o jovem, que vestia apenas uma bermuda.
Ele foi levado então ao galpão e ali foi baleado com mais de dez tiros. Enquanto a vítima era atingida, os familiares foram mantidos na parte residencial do imóvel, sob a mira das armas de outros PMs. Uma das pessoas ainda conseguiu filmar Yago sendo arrastado por um policial — o jovem clamava por socorro, ensanguentado. O vídeo foi divulgado, a princípio, pelo site de notícias Plural, de Curitiba.
‘Foi para matar mesmo, foi execução’
Conforme apurou a Ponte, a família não pôde se aproximar do jovem baleado, mantida sob ameaça dos policiais. Uma ambulância chegou ao local em cerca de 15 minutos, mas foi dispensada pelos PMs sem que os socorristas entrassem no imóvel, quando Yago ainda agonizava vivo.
Quase uma hora depois, chegou à residência uma nova ambulância, ocasião em que foi confirmado que a vítima já estava morta. O corpo de Yago ficou estirado em uma balança, cercado de latinhas.
“O que fizeram foi desumano. O policial arrastou ele igual a um animal. Até agora está cheio de sangue no galpão. Tem latinha furada de tiro. Se você quer conter uma pessoa, daria um tiro na perna. Mas eles deram todos os tiros na barriga, no tórax. Foi para matar mesmo. Foi execução”, relatou uma pessoa.
Yago Gabriel Pires de Oliveira (Foto: Reprodução)
Comunidade nega versão de que houve confronto
Foi relatado à Ponte que os policiais levaram dinheiro que a família mantinha em casa, incluindo moedas que estavam guardadas em um pequeno cofre de uma das crianças, e também celulares — com exceção do que gravou a cena de Yago sendo arrastado, já que uma das pessoas conseguiu escondê-lo.
Os policiais alegaram que a morte de Yago teria ocorrido em um confronto armado, apesar de nenhum agente ter sido ferido. Quem testemunhou o ocorrido diz que a alegação é mentirosa e que a suposta arma em posse do jovem sequer apareceu na cena, tendo sido apresentada apenas em sede policial.
Na imprensa local, foi divulgado também que Yago seria líder de uma facção de tráfico de drogas, o que moradores da comunidade negam. “Olha o jeito que o piá estava: sem camisa, dormindo em um sofá. Meu Deus do céu, alguém que é líder de alguma coisa vai estar assim?”, questiona uma pessoa.
Favela teve mortes recentes em circunstâncias parecidas
A versão do governo Ratinho Júnior (PSD) é de que os policiais foram ao local para cumprir um mandado relativo a uma investigação sobre tiros que atingiram a sede do Tribunal Regional Eleitoral paranaense (TRE-PR) em 21 de maio deste ano, ocasião em que uma servidora foi ferida por uma bala perdida.
Para os moradores da favela, no entanto, essa suspeita sequer faz sentido, devido à geografia do local: a comunidade fica em uma área de baixada, à beira de um canal de água, e a quase dois quilômetros de distância do TRE-PR, com vários imóveis entre os dois locais — ou seja, uma bala perdida que saísse da favela teria a trajetória interrompida antes de eventualmente atingir o tribunal.
A comunidade acredita, na verdade, que isso passou a ser usado para PM-PR atuar como um grupo de extermínio no local. Somente neste ano, houve outras cinco mortes em circunstâncias parecidas, de jovens baleados no que policiais alegaram ter sido confronto: em 3 de setembro, foi morto Alexsandro dos Santos, de 35 anos; em 13 de agosto, Ivan Ramos Mathias Filho, 23, foi torturado e depois assassinado; em 7 de maio, as vítimas fatais foram Luiz Fernando, 16, Marcelo, 19, e Rafael, 26.
Moradores relatam intimidação constante de policiais
Ao menos parte dessas vítimas tinha antecedentes criminais, como é o caso de Yago, que já teve passagens pela polícia desde adolescente — agora, ele trabalhava com reciclagem junto da família, tentando refazer a vida quatro meses depois de ter perdido a mãe em um caso de feminicídio. A suspeita de moradores, portanto, é de que os PMs atuam com um intuito de “limpeza social” na favela.
Em todos esses casos, familiares de vítimas e moradores da favela foram intimidados por policiais — os agentes costumam passar com viaturas em frente às residências e locais de trabalho das pessoas. Há relatos de quem chegou também a ser abordado e ameaçado para que se mantivesse calado.
Autoridades não respondem ao contato da reportagem
A Ponte pediu posicionamento à Secretaria da Segurança Pública do Paraná (Sesp-PR), questionando, entre outras coisas, por qual razão Yago foi arrastado e vitimado com uso da força letal. A pasta chefiada pelo secretário Hudson Leôncio Teixeira, ex-comandante-geral da PM-PR, afirmou, em resposta, que o assunto deveria ser tratado com a assessoria de imprensa da Polícia Militar.
A reportagem insistiu por um posicionamento da Sesp-PR, mas não obteve novo retorno. Já a PM paranaense, procurada posteriormente, também não respondeu até esta publicação.
A Ponte também solicitou uma manifestação do Ministério Público do Paraná (MP-PR), órgão ao qual constitucionalmente cabe o controle externo da atividade policial no estado. Não houve resposta.