A paralisação do governo dos Estados Unidos (shutdown) impôs mais um desafio ao Fed (Federal Reserve, o banco central estadunidense), que já enfrentava dificuldades para definir o ritmo dos cortes de juros. A suspensão da divulgação de dados oficiais — como o relatório de emprego mais importante, o payroll, previsto para esta sexta-feira (3) — compromete a visibilidade da autoridade monetária sobre a economia e ameaça a eficácia da sua tomada de decisão.
A falta de consenso no Congresso e com o presidente Donald Trump impede a liberação de recursos para agências federais, como o Departamento de Estatísticas de Trabalho, que comunicou a suspensão do payroll. Outras divulgações sensíveis, como o índice de preços ao consumidor, também estão sob risco. O Fed, agora, precisa operar no escuro.
“É doloroso não receber estatísticas oficiais justamente quando estamos tentando entender se a economia está em transição”, afirmou Austan Goolsbee, presidente do Fed de Chicago.
A incerteza vem em um momento em que os dirigentes da instituição divergem sobre a força do aperto monetário já promovido. Se a taxa de juros — hoje entre 4% e 4,25% — ainda estiver pouco restritiva, pode haver espaço para cortes graduais. Caso contrário, acelerar o alívio pode reacender pressões inflacionárias, sobretudo em um ambiente já afetado pelas tarifas comerciais impostas pelo governo Trump.
Fed no escuro: relatório ADP mostra retração no emprego do setor privado
Economistas estimam que cada semana de shutdown reduz cerca de 0,1 ponto percentual do PIB (Produto Interno Bruto) no trimestre. E o cenário fica ainda mais instável com a desaceleração na geração de empregos — mesmo antes da paralisação.
Nesta quarta-feira (1º), dados do relatório ADP mostraram o corte de 32 mil vagas no setor privado em setembro, contra expectativa de criação de 50 mil. Por isso, a divulgação do payroll, uma das variáveis utilizadas pelo Fed, que mira a inflação e o mercado de trabalho, é tão importante.
Para piorar, internamente, o Fed está longe de um consenso. O presidente da instituição, Jerome Powell, defende cortes graduais como parte de uma “gestão de riscos”, tentando proteger o emprego sem abrir espaço para uma nova onda inflacionária.
Mas vozes mais recentes, como a de Stephen Miran — nomeado para o Conselho do Fed e próximo à Casa Branca — defendem cortes mais agressivos.
Miran considera os juros “muito restritivos” e alerta que não reduzi-los rapidamente pode levar a “demissões desnecessárias”. Para ele, o nível neutro da taxa está próximo de zero, muito abaixo dos 3% estimados pela maioria.
A tese, no entanto, enfrenta ceticismo de analistas. Enquanto isso, outros dirigentes do Fed seguem defendendo cautela e esperam sinais mais claros de enfraquecimento no mercado de trabalho para endossar novos cortes. Mas, sem dados oficiais, esse diagnóstico pode demorar — e o risco de erro aumenta.