Casa EconomiaFavorito ao STF tem histórico de defesa de direitos trabalhistas oposto ao de Barroso

Favorito ao STF tem histórico de defesa de direitos trabalhistas oposto ao de Barroso

por Laura Kotscho
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Por Cleber Lourenço

A aposentadoria de Luís Roberto Barroso, formalizada em outubro, abre uma das disputas mais simbólicas da composição recente do Supremo Tribunal Federal. A cadeira que ele deixa não carrega apenas o peso de 11 anos de atuação intensa em temas constitucionais, mas também o legado de uma visão econômica e jurídica liberal, que moldou o direito do trabalho nos últimos anos. Jorge Messias, atual Advogado-Geral da União, desponta como o nome mais forte para a sucessão e, se confirmado, deve reposicionar o tribunal em sentido oposto, reforçando o papel social da Justiça do Trabalho e reabilitando princípios da Constituição de 1988.

Barroso foi, ao longo de sua trajetória no STF, um dos principais defensores de uma interpretação mais flexível das relações de trabalho. Argumentava que o Brasil precisava “modernizar” suas estruturas jurídicas e que a rigidez da CLT impedia o crescimento econômico e a formalização de novos vínculos. Seu voto na terceirização irrestrita — permitindo que empresas contratassem terceiros para qualquer atividade, inclusive a atividade-fim — consolidou uma mudança profunda. A decisão foi vista pelo setor empresarial como uma vitória da eficiência e, por sindicatos, como o marco da precarização legalizada.

Outro voto emblemático de Barroso foi no caso do negociado sobre o legislado. Ele defendeu que acordos coletivos, feitos entre empregadores e trabalhadores, pudessem prevalecer sobre a legislação, desde que respeitassem um mínimo de garantias constitucionais. O ministro sustentava que o Estado não poderia tutelar todas as relações e que a autonomia coletiva seria a melhor ferramenta para equilibrar interesses. Críticos dizem que esse entendimento, em um país de assimetrias salariais e de poder, acabou favorecendo as empresas e fragilizando sindicatos menores.

O ministro Luís Roberto Barroso, do STF (Supremo Tribunal Federal) (Crédito: Gustavo Moreno/STF)

Messias, por sua vez, construiu nos últimos anos um discurso em sentido oposto. Em diferentes eventos e manifestações públicas, classificou a pejotização como uma forma de corrosão do pacto social e da seguridade, chamando o fenômeno de “cupinização” dos direitos trabalhistas. Para ele, a prática esvazia os fundos de proteção social, reduz a arrecadação da Previdência e distorce a concorrência, beneficiando empresas que driblam obrigações legais em detrimento das que cumprem as regras.

Ao abordar o trabalho por aplicativos, Messias tem adotado uma postura considerada pragmática, mas com um viés protetivo. Defende um modelo de “autonomia com direitos”, em que trabalhadores possam manter a flexibilidade de horários e vínculos múltiplos, mas tenham acesso a um piso mínimo de remuneração, limites de jornada e contribuição obrigatória ao INSS. A proposta, levada ao STF durante audiência sobre o tema, busca evitar tanto a precarização absoluta quanto o engessamento jurídico de novas formas de trabalho.

O contraste entre Barroso e Messias é mais que ideológico; ele reflete duas leituras de mundo. Barroso representa o liberalismo jurídico que aposta na autorregulação do mercado e na negociação direta entre as partes, enquanto Messias personifica o constitucionalismo social, que entende o trabalho como direito e não como mera transação econômica. Caso a indicação de Messias se confirme, o Supremo poderá assistir a um reposicionamento silencioso, mas profundo: de um tribunal que legitimou a flexibilização para outro que tende a resgatar o papel protetivo do Estado.

A disputa não deve se restringir à composição da Corte. No Senado, a sabatina de Messias promete reproduzir a divisão ideológica que hoje atravessa o Congresso. Senadores ligados ao empresariado e à direita econômica já se articulam para questionar o que chamam de “viés intervencionista” do AGU. De outro lado, aliados do governo e movimentos sociais pretendem sustentar que a Constituição de 1988 — e não o mercado — deve ser o parâmetro do Supremo.

A indicação também tem um componente simbólico: Lula poderá substituir um ministro que defendeu a modernização liberal por um aliado que representa o retorno à centralidade do trabalho. Para setores jurídicos progressistas, a eventual nomeação de Messias reequilibra a Corte após anos de decisões favoráveis à flexibilização. Para os críticos, pode significar a volta do excesso de regulação e a perda de competitividade.

No fim, o que está em jogo é mais do que uma vaga. É a definição de qual Supremo o país terá nos próximos anos: um tribunal voltado para a estabilidade dos contratos e da livre negociação, como pregava Barroso, ou uma Corte disposta a reafirmar o trabalho como valor constitucional e elemento central da dignidade humana. A escolha de Lula pode reposicionar o eixo jurídico e político do país — e determinar como o Brasil lidará, daqui para frente, com o desafio de proteger quem trabalha em meio à economia digital e à nova era da informalidade.

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