Casa EconomiaFamílias que seguem no Moinho temem expulsão por Tarcísio e cobram Lula

Famílias que seguem no Moinho temem expulsão por Tarcísio e cobram Lula

por Ayam Fonseca
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Por Paulo Batistella — Ponte Jornalismo

A camareira Elineia do Carmo, de 30 anos, achava que já estava tudo certo para deixar a favela do Moinho, na região central de São Paulo, onde vive com o marido e as duas filhas pequenas. A família passou por um longo processo até provar à Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano (CDHU) que mora ali e, assim, tem direito ao imóvel gratuito prometido em maio pelos governos Lula (PT) e Tarcísio de Freitas (Republicanos) em meio ao reassentamento da comunidade — no qual a moradia sem custos só veio após protestos reprimidos com violência pela Polícia Militar paulista (PM-SP).

Ela e o marido receberam uma carta de crédito de R$ 250 mil (R$ 180 mil da União, dona do terreno no qual está a favela, e R$ 70 mil do estado, interessado na cessão do espaço). Orientados pela CDHU, escolheram um apartamento, entregaram documentos e o submeteram a uma vistoria. Quando a compra deveria ser concluída, a Caixa Econômica Federal colocou Elineia em uma lista de moradores do Moinho sob “pendência de elegibilidade” — e ninguém sabe informar do que se trata a tal pendência.

“A moça da CDHU disse que, enquanto eu não resolver essa pendência, não liberam o contrato. Falam que é algo na renda, mas não dizem o que é ou como faço para resolver. Fui na Caixa também e só me falam que existe essa pendência, mas não explicam o que fazer”, conta Elineia, à Ponte.

Assim como ela, permanecem no Moinho cerca de 300 famílias de mãos atadas: elas não têm para onde se mudar, ao mesmo tempo em que a CDHU tem feito da comunidade um espaço cada vez mais hostil. Conforme mostrou a Ponte, a companhia estadual intensificou as demolições no local, o que tem deixado entulho acumulado e faz proliferar ratos e escorpiões nas casas.

A Justiça Federal ainda autorizou, durante uma audiência de conciliação na última terça-feira (14/10), que a CDHU siga com a derrubada das casas, acompanhada da Polícia Militar. A Defensoria Pública da União e também a do estado de São Paulo pediam que isso fosse feito somente após a desocupação total da comunidade. Foi concedida apenas uma interrupção nas demolições até sexta (24/10) — período durante o qual o governo estadual poderá usar tratores apenas para retirar entulho do local.

Justiça autorizou demolições pela CDHU com presença da PM-SP (Foto: Paulo Batistella/Ponte Jornalismo)

Moradores são mantidos sob análise da CDHU e sem respostas

Relatos como o de Elineia foram partilhados por outros remanescentes da comunidade em uma audiência pública no último sábado (18/10), ocasião em que foi lançado, junto de movimentos sociais, um comitê em defesa das famílias do Moinho e das pessoas presas no local em setembro — em especial, as líderes comunitárias Alessandra Moja Cunha e a filha dela, Yasmin Moja Flores, que estavam à frente da Associação de Moradores do Moinho.

A impressão crescente na comunidade é de que o acordo anunciado em maio não vai contemplar todas as famílias, preocupação que a Ponte já havia registrado no mês passado, quando moradores afirmavam que as prisões na favela tiveram o objetivo de criminalizar a luta por moradia e desmobilizar a comunidade. Há pessoas que sequer alcançaram a mesma etapa que Elineia, e ter acesso a uma carta de crédito. É o caso de Marcos Roberto da Silva, de 55 anos.

No ano passado, Marcos precisou ficar dois meses em Minas Gerais para cuidar da mãe, com problemas de saúde, no mesmo período em que a CDHU iniciou o cadastramento de moradores na favela. Um vizinho invadiu o imóvel vazio naquela altura e deu o próprio nome como morador, o que impede ainda hoje o verdadeiro proprietário de ter reparação. “Eu vou lá na CDHU toda semana, e eles só respondem que está em análise. Levei documentos, conta de água, está tudo no meu nome. E eles só falam que está em análise, e não sai disso”, diz o morador. “A gente está vendo todo mundo sair e quer sair também, mas não tem como ir sem ter algo garantido.”

Ivanice Souza Santos, 53, vive situação parecida. Ela tenta desde o ano passado provar à CDHU que vive na comunidade, depois ter feito uma viagem para visitar familiares na Bahia. “Eles só falam que está em análise. Eles são bons para bisbilhotar a vida gente. Já vieram, tiraram foto, e não resolvem nada.”

Defensoria confirma dificuldade de diálogo com governo estadual

Mesmo a Defensoria Pública paulista, cujo papel é representar os moradores em seus interesses, tem tido dificuldade em obter respostas da CDHU — conforme assumiu a coordenadora do Núcleo de Habitação e Urbanismo do órgão, a defensora pública Taissa Nunes Vieira Pinheiro, durante o lançamento do comitê em defesa das famílias remanescentes. “A gente manda os pedidos, as solicitações de informações, e não tem resposta. Houve realmente um rompimento da comunicação”, afirma a defensora. “Então, a gente atende as pessoas, e não tem a definição da CDHU, o que é o nosso ponto de partida para a atuação.”

A DPESP tem montado plantões para ouvir moradores do Moinho ainda sem reparação, iniciativa que repetirá ao longo desta semana. Em um caso antes noticiado pela Ponte, a moradora Hilda Vitória, de 21 anos, já precisou buscar o órgão quatro vezes, sempre para fazer o mesmo relato e ceder documentos — a CDHU alega que ela alugou o imóvel do qual é proprietária, o que daria direito de reparação apenas ao inquilino, enquanto a moradora afirma ter locado somente um andar de uma casa com três pavimentos.

Entre os moradores incluídos na lista de “pendência de elegibilidade”, a Caixa orienta apenas que a CDHU seja procurada para resolver o impasse. No caso de Elineia, a companhia estadual comunicou, ao ser procurada pela Ponte, que a família dela teria uma renda bruta acima de R$ 4,7 mil, o que lhe permitiria apenas financiar um imóvel em vez de obtê-lo gratuitamente dentro do acordo anunciado.

“Se tem um morador com uma pendência de elegibilidade na Caixa, qual é a pendência? São questões muito básicas que precisam ser esclarecidas para que a gente possa ajudar as pessoas. Essas informações ainda não foram prestadas”, disse também a defensora Taissa.

Morador caminha entre escombros na favela do Moinho (Foto: Daniel Arroyo/Ponte Jornalismo)

Lula é cobrado por silêncio após prisões no Moinho

Além da CDHU e da Caixa, o presidente Lula, que esteve na comunidade em junho, também tem sido cobrado no Moinho. “Ele tem que ser responsabilizado, tem que cumprir o acordo que prometeu, porque ele não pode vir aqui para usar a favela do Moinho de palco político”, afirmou Débora Silva, articuladora do Movimento Mães de Maio, na audiência pública na comunidade.

A gestão Lula tem se mantido em silêncio desde as prisões das líderes comunitárias no local, assim como outros nomes da esquerda antes ativos na luta da comunidade. Em setembro, se limitou a manifestar em nota que cumpriria o acordo. Na audiência do último sábado, estiveram presentes apenas a deputada estadual Paula Nunes e a vereadora Keit Lima, ambas do PSOL.

De entidades civis, também participaram da audiência a organização Iniciativa Negra por uma Nova Política sobre Drogas, o Laboratório Espaço Público e Direito à Cidade (LabCidade), vinculado à Universidade de São Paulo (USP), e a União dos Movimentos de Moradia (UNMP). “O Lula quando veio aqui falou que o objetivo dele era proteger as famílias da favela do Moinho, para que não sofram nenhum tipo de violência, nem sejam jogadas na rua sem alternativa. É um absurdo que tantos moradores ainda estejam esperando uma solução. Por parte do governo federal, não poderia ter esse nível de acovardamento”, afirmou Benedito Barbosa, da UNMP.

Lula visitou a favela do Moinho, no centro de São Paulo, em junho de 2025 (Foto: Divulgação)

O que dizem as autoridades

À Ponte, a CDHU afirmou que sua atuação no Moinho atende famílias que precisam de apoio e não as que estariam em busca de reparação patrimonial mesmo já tendo outra moradia. Disse ainda que a retirada do entulho que se acumula no local era impedida por moradores. “As demolições são realizadas observando todos os critérios técnicos para impedir danos a imóveis ainda ocupados. No entanto, o avanço é fundamental, uma vez que as estruturas precárias expõem as pessoas que ainda circulam pelo Moinho a riscos, sobretudo após a desocupação das casas”, escreveu.

A reportagem também tentou contato com o governo federal, por meio do Ministério das Cidades, à frente da compra dos imóveis para os moradores reassentados, e do Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos, ao qual está submetida a Secretaria do Patrimônio da União (SPU). Questionou, entre outras coisas, se a gestão Lula concorda com as demolições mesmo sem a plena desocupação da comunidade, mas não obteve retorno até esta publicação.

A Ponte ainda procurou a Caixa Econômica Federal, para saber quantas famílias já tiveram acesso ao imóvel prometido, mas também não recebeu respostas.

Leia a íntegra do que diz a CDHU

A Secretaria de Desenvolvimento Urbano e Habitação esclarece que o acordo firmado com o Governo Federal estipula atendimento gratuito a todas as famílias cadastradas pela CDHU, com congelamento da área em novembro de 2024. A única exceção é para famílias com renda acima de R$ 4,7 mil, para quais permanece à disposição a oferta de atendimento pelas regras de financiamento da CDHU, caso da sra. E. M. do Carmo. Já a sra. H. V. S. M. M. não tem direito a atendimento, pois não morava na favela e alugava uma casa para um inquilino, que já foi atendido. A ação no Moinho é para atendimento habitacional para famílias que necessitam de apoio, não para reparação patrimonial de quem já tem outra moradia. Listas incluindo famílias em situação de inelegibilidade foram publicadas pelo Governo Federal, por critérios elencados por eles.

Com 636 famílias que já se mudaram da Favela do Moinho, a CDHU avança na demolição das casas esvaziadas para evitar reinvasões. A necessidade de demolição das estruturas foi chancelada pela 14ª Vara Cível da Justiça Federal, em audiência de conciliação realizada na última terça-feira (14), cuja ata foi publicada na sexta-feira (17).  Até o momento, foram realizadas 146 demolições e 457 imóveis foram descaracterizados. A decisão judicial também determina a presença diuturna da Polícia Militar na favela até a desocupação total do território para impedir novas invasões.

Até dia 24 de outubro, dez dias após a audiência de conciliação, será feita a limpeza dos entulhos das casas já derrubadas. A retirada não foi possível anteriormente porque movimentos contrários ao trabalho impediam a entrada de máquinas na favela, o que inviabilizava a tarefa. Agora, está garantido o acesso desses equipamentos, o que confere maior celeridade e segurança aos trabalhos. As demolições são realizadas observando todos os critérios técnicos para impedir danos a imóveis ainda ocupados. No entanto, o avanço é fundamental, uma vez que as estruturas precárias expõem as pessoas que ainda circulam pelo moinho a riscos, sobretudo após a desocupação das casas.

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