Mesmo com o impacto das novas tarifas impostas pelos Estados Unidos, as exportações brasileiras têm mostrado fôlego. Um levantamento da economista Lia Valls, pesquisadora associada do FGV/Ibre e professora da UERJ, revela que metade dos dez produtos mais exportados aos EUA em setembro conseguiu compensar total ou parcialmente as perdas, redirecionando vendas para outros mercados.
Segundo Valls, o cenário ainda é incerto, mas os dados iniciais indicam que “o desastre para as exportações brasileiras não está acontecendo em um primeiro momento”, e que há um “grau de resiliência” nos embarques.
Dados da Secex (Secretaria de Comércio Exterior) mostram que essa compensação ocorreu de duas formas: aumento das vendas para outros países ou redução menos intensa nas exportações fora do mercado americano.
Um exemplo é o dos produtos semimanufaturados de ferro e aço, cujas vendas aos EUA caíram 7,7% em setembro, enquanto para o restante do mundo o recuo foi de apenas 5,2%. O México e a Polônia, que não haviam importado esses produtos no mesmo mês de 2024, compraram respectivamente US$ 24,1 milhões e US$ 19,1 milhões neste ano, ajudando a equilibrar os números.
As carnes bovinas desossadas e as preparações alimentícias de bovinos também apresentaram forte redirecionamento. Apesar da queda de 66% e 20,5% nas vendas aos EUA, os embarques cresceram 71,9% e 39,3% para outros destinos, principalmente China (alta de 75,4%) e México (354,8%).
O café não torrado também sentiu o impacto das tarifas, com queda de 29% nas exportações aos americanos, mas o avanço de 17,5% para outros países — especialmente Alemanha (+48,9%) e Turquia (+59,3%) — ajudou a suavizar as perdas.
Já o sebo bovino teve redução de 7,1% nas vendas para os EUA, mas um expressivo aumento de 70,2% para outros países, com destaque para a África do Sul, onde as exportações cresceram 231,2%.
Somando esses cinco produtos, a queda de US$ 127,9 milhões nas vendas aos americanos foi mais do que compensada por um aumento de US$ 808,4 milhões nas exportações destinadas a outros mercados.
Diversificação é a chave nas exportações
Para Lia Valls, os exportadores que mantêm negócios com múltiplos destinos são os mais protegidos contra os efeitos do tarifaço.
“Principalmente quem exporta para vários mercados conseguiu reagir bem, com destaque para empresas multinacionais, que conseguem desviar suas exportações para outros mercados.”, explica em reportagem da Folha de S. Paulo.
Ela destaca, no entanto, que setores altamente dependentes do mercado americano — como os de produtos manufaturados e bens com especificações técnicas rígidas — enfrentam mais dificuldades para se adaptar rapidamente.
Perspectivas e negociações
O crescimento do comércio global também tem ajudado o Brasil. De acordo com a OMC (Organização Mundial do Comércio), o volume mundial de trocas comerciais aumentou 4,9% no primeiro semestre de 2025, impulsionado pela antecipação de exportações antes do tarifaço e pelo bom desempenho das economias. A previsão de crescimento para o comércio global neste ano foi revisada de 0,9% para 2,4%.
Mesmo assim, Valls lembra que o mercado americano continua sendo estratégico para o Brasil:
“Os EUA são o segundo maior mercado do Brasil e o maior importador mundial”, afirma. “Uma parte você consegue desviar, mas pode ser um primeiro impulso. Precisaremos esperar os próximos dados para saber o que vai acontecer.”
O futuro das exportações dependerá, em grande parte, das negociações diplomáticas entre Brasil e EUA. A primeira reunião presencial sobre o tema está marcada para esta quinta-feira (16), reunindo o ministro das Relações Exteriores Mauro Vieira, o secretário de Estado americano Marco Rubio e o representante comercial dos EUA Jamieson Greer.