Por Cézar Feitoza
(Folhapress) – A cúpula do Exército avalia que equiparar facções criminosas brasileiras com organizações terroristas, proposta em discussão no Congresso Nacional em meio ao debate sobre o PL Antifacção, pode criar um risco de interferências externas no Brasil.
As Forças Armadas têm monitorado o tema desde que ele ganhou projeção após a gestão de Donald Trump, nos Estados Unidos, defender a classificação das facções brasileiras PCC (Primeiro Comando da Capital) e CV (Comando Vermelho) como organizações terroristas.
Cinco oficiais-generais ouvidos pela reportagem, sob reserva, afirmam que a equiparação pode abrir brechas para que o discurso intervencionista seja usado contra o Brasil por potências mundiais.
Há uma leitura no Exército de que os EUA têm se utilizado de um discurso agressivo de combate às drogas nas Américas para justificar ações militares na vizinhança do Brasil.
É o caso da Venezuela. O governo Trump tem enquadrado organizações criminosas do país como grupos terroristas pelo vínculo com o tráfico internacional de drogas, como ocorreu com a facção venezuelana Tren de Aragua.
O discurso de combate ao tráfico de drogas na região é utilizado como justificativa do governo americano para posicionar porta-aviões e outros navios da Marinha em águas internacionais próximas da Venezuela.
A presença militar americana na região também tem servido de pressão da gestão Trump contra o regime de Nicolás Maduro, inclusive com a tensão em torno de uma possível operação terrestre dos EUA na Venezuela.
Posição do Exército
A posição do Exército vem sendo manifestada nos bastidores e é conhecida por parlamentares à frente da discussão sobre o PL antifacção, que estava previsto para ser votado nesta quarta-feira (12) na Câmara dos Deputados. Após quatro versões do texto do relator, Guilherme Derrite (PP-SP), e recuos mas mudanças de competência da Polícia Federal e da Lei Antiterrorismo, o projeto só deve ser analisado na próxima terça-feira (18).
A cruzada dos EUA contra as organizações criminosas na América do Sul causou constrangimentos na visita ao Brasil do chefe do Comando Sul dos Estados Unidos, almirante Alvin Holsey.
Às vésperas de sua vinda, a embaixada americana informou o Exército que o Comando Sul gostaria de visitar o 4º Batalhão de Infantaria de Selva, com sede em Rio Branco (AC) e responsável pelo controle da fronteira do Brasil com o Peru e a Bolívia.
“A visita oferece uma oportunidade de obter uma visão direta dos desafios e das ameaças presentes na região de fronteira compartilhada entre Brasil, Peru e Bolívia, especialmente aqueles relacionados ao tráfico ilegal”, dizia o comunicado da embaixada dos EUA em Brasília.
O pedido foi considerado incomum. Em geral, o chefe do Comando Sul dos Estados Unidos visita os comandos militares de área, chefiados por generais de quatro estrelas. Os batalhões são comandados por tenentes-coronéis e coronéis.
O Exército negou o pedido de visita sob o argumento de que o pedido de visita foi feito com pouco tempo de antecedência, sem tempo para preparar o batalhão de Rio Branco para a chegada do chefe militar americano.
Como solução, os militares brasileiros sugeriram que Alvin Holsey visitasse o Comando Militar da Amazônia, em Manaus, para conhecer o trabalho do Exército no controle das fronteiras. Os americanos recusaram a proposta.
Em outubro, Holsey pediu demissão do Comando Sul dos EUA em meio às operações militares na América Latina. Segundo o jornal New York Times, a aposentadoria antecipada do chefe militar está relacionada às tensões na Venezuela.
A equiparação das facções criminosas brasileiras com organizações terroristas tem sido debatida no Congresso no PL antifacção. O projeto de lei foi apresentado pelo governo Lula (PT), mas o presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), entregou a relatoria da proposta para Guilherme Derrite. O deputado da oposição é secretário da Segurança Pública de São Paulo e aliado do governador Tarcísio Freitas (Republicanos). Ele se licenciou do cargo no Executivo paulista para relatar o projeto.
O deputado foi um dos defensores de alterar a Lei Antiterrorismo para incluir entre os crimes terroristas as práticas das organizações criminosas brasileiras. Após críticas de integrantes do governo Lula e do STF (Supremo Tribunal Federal), Derrite anunciou mudanças no texto e recuou neste ponto, bem como na necessidade de a Polícia Federal ter de pedir autorização ou comunicar operações aos governos estaduais.